O assassinato e outras histórias (1894-1900)
Anton Tchekhov (1860-1904) - RÚSSIA
Tradução: Rubens Figueiredo
São Paulo: Cosac & Naify, 2002, 263 páginas
Se me fosse imposto o exílio numa ilha deserta, e só pudesse carregar livros de um único escritor, certamente minha pequena estante seria coberta por volumes de Anton Tchekhov. Nesta magnífica recolha, organizada por Rubens Figueiredo, temos uma amostra da genialidade do Autor. São seis narrativas de curta extensão - a mais longa ocupa parcas 54 páginas - que, condensando histórias de gente absolutamente comum, demonstram uma profunda compreensão do sofrimento humano, tirando-nos de nossa zona de conforto, algo que apenas a verdadeira Arte consegue provocar. A melancolia e o desencanto povoam todos os cantos deste livro, como se não houvesse - e não há - saída para ao egoísmo, a mediocridade e a vulgaridade do mundo. "O professor de letras" retrata a vida pacata de Nikítin, professor da escola secundária numa província qualquer do interior da Rússia. Nikítin tem 26 anos e está apaixonado por Maria (Maniússia) Chelestova, 18 anos, caçula de uma família rica. Após um breve namoro, casam-se, e em pouco tempo ele, desesperado, toma consciência que está enredado para sempre em um cotidiano de futilidades e relações superficiais. "O assassinato" relata o homicídio de Matviei Terekhov por seus irmãos, Iákov e Aglaia, motivado por nonadas. Há uma interessantíssima discussão a respeito da fé: a tentativa de conquistar a 'pureza' como sinônimo de soberba e o abismo entre o que se prega e o que se pratica. "O assassinato", de alguma maneira, emula a temática presente em Crime e castigo, de outro russo, Fiódor Dostoiévski (1821-1881), publicado em 1866. "Os mujiques" é a representação da miséria dos camponeses. Muito doente, Nikolai Tchikildiéiev, ex-lacaio do hotel Bazar Eslavo, de Moscou, volta para sua aldeia natal junto com a mulher, Olga, e a filha, Sacha, e vai morar numa isbá com a mãe sovina, o pai indiferente, as cunhadas Mária, que apanha com imensa brutalidade do marido Kiriak, e Fiokla, cujo marido, Denis, está longe servindo como soldado. Lá, eles convivem com aquela gente que subsistem como animais: "grosseiros, sujos, sórdidos, sempre bêbados, eles vivem em atrito, não param de brigar, não se respeitam, têm medo e desconfiança uns dos outros" (p. 132), segundo a descrição de Olga, uma mulher que tenta manter certa dignidade no meio da ignorância, da pobreza, da imundice, da violência doméstica. O poder só aparece ali para "insultar, extorquir, intimidar" (p. 133). Após a morte de Nikolai, Olga e Sacha dirigem-se a Moscou, mas no caminho, exaustas, passam a mendigar. "Iônitch" talvez seja o mais triste conto da coletânea. Dmitri Iônitch Startsev, médico recém-nomeado para um distrito no interior do país, passa a frequentar a mansão de Ivan Petróvitch Turkin, onde se toma chá, ouve-se a mulher, Vera Iossifovna, ler seus intermináveis romances, a filha Ekatierina (Kotik) golpear as teclas do piano e o dono da casa desfiar suas anedotas, charadas, provérbios, pilhérias e gracejos. Logo, Iônitch propõe casamento a Kotik, mas ela o rejeita, dizendo que seu objetivo era ser artista - e parte para Moscou. À medida em que o tempo escorre, Iônitch, que engorda e acumula dinheiro, se pergunta onde estava com a cabeça por um dia ter se interessado por Kotik. Ela volta de Moscou desiludida, sem ter conseguido seguir carreira como pianista, e é por sua vez refugada por Iônitch. Eles envelhecem sozinhos, infelizes, amargurados. "Em serviço" acompanha o médico Startchenko e o juiz de instrução Lijin a uma pequena aldeia para fazer a autópsia do agente do conselho local, Lesnítski, um nobre decadente e falido que se matou. Impedidos por uma nevasca de cumprir seu papel, ambos se instalam na casa de Von Taunits, onde sonham com uma existência diferente da que levam, cinzenta e sem perspectivas. "No fundo do barranco" é a encenação de uma tragédia. Na aldeia de Uklêievo vive a família de Grigori Pietrov Tsibúkin, dono de uma pequena mercearia, que serve de fachada para negociar tudo quanto aparecesse, incluindo o empréstimo de dinheiro a juros. Viúvo, ele casou-se com Várvara Nikolaievna. Um de seus filhos, Stepan, é surdo, e sua mulher, Aksínia, trabalha sem parar para ampliar a riqueza do sogro. O outro filho, Anissim, policial, mora longe. Instado pelo pai e pela madrasta, Anissim acaba contraindo matrimônio com Lipa, filha de uma diarista muito pobre. Aksínia trai o marido com uns industriais de uma aldeia próxima e, ambiciosa, aos poucos vai tomando conta de todos os bens de Tsibúkin. Anissim envolve-se com a distribuição de moedas falsas, e, preso, é enviado para trabalhos forçados na Sibéria. Aksínia aproveita-se, dá fim ao filho de Anissim com Lipa, e expulsa o sogro de casa. Lipa volta a morar com a mãe e a trabalhar na lavoura. Corrupção, egoísmo, avareza, pobreza, mediocridade, violência, apatia - a Rússia do século XIX é terrivelmente parecida com o Brasil do século XXI.
(Abril, 2017)
(Abril, 2017)
Avaliação: OBRA-PRIMA
Entre aspas:
“A mediocridade (...) não consiste em ser incapaz de escrever histórias, mas em ser incapaz de manter escondido aquilo que foi escrito". (p. 153)
“A mediocridade (...) não consiste em ser incapaz de escrever histórias, mas em ser incapaz de manter escondido aquilo que foi escrito". (p. 153)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.