terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A consciência de Zeno (1923)
Italo Svevo (1861-1928) - ITÁLIA  
Tradução: Ivo Barroso 
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, 403 páginas 




Zeno Cosini, 57 anos, é casado com Augusta Malfenti, com quem tem dois filhos, Antonia e Álfio, e vive da renda proporcionada pelos negócios deixados pelo pai e administrada por seu procurador, Olivi. Sem nada para fazer, Zeno tenta levar a vida de cidadão normal em Trieste, na época, fim do século XIX e começo do século XX, importante porto do Império Austro-Húngaro. Obcecado pela ideia de deixar de fumar, ele acaba procurando ajuda do psicanalista Dr. S., que o incentiva a colocar no papel suas memórias. O livro é o resultado desse processo, e, apesar de que, segundo Zeno, "uma confissão escrita é sempre mentirosa" (p. 373), o Dr. S. resolve publicá-la, "por vingança", como explica no brevíssimo prefácio (p. 7). A estrutura da narrativa é bastante original, constando de um curto preâmbulo, seis capítulos e um diário com somente quatro entradas. Os capítulos tratam de temas específicos - a relação de Zeno com o cigarro, a morte do pai, a história de seu casamento, a culpa por dividir-se entre a mulher e a amante, e a sociedade comercial que estabelece com seu concunhado, Guido Speier. Embora estanques, os blocos se complementam, construindo, de forma brilhante, não só a biografia de Zeno (pelo menos em sua idade adulta), mas também os usos e costumes da sociedade europeia do fim de século. Irônico, às vezes sarcástico, o narrador tenta descrever, o mais fiel possível, suas ações e reações, pintando-se sem complacência, o que acaba resultando em um autorretrato extremamente complexo. Covarde, porém impetuoso; egocêntrico, contudo passível de atos os mais generosos; alienado e, no entanto, capaz de compreender à perfeição o que ocorre à sua volta - Zeno é uma espécie de "(...) atirador que consegue acertar no alvo de seu companheiro ao lado" (p. 81). É impressionante como, na última seção, "Psicanálise", em apenas 33 páginas ele desenha o cenário de horror da Primeira Guerra Mundial - o livro se encerra em 24 de março de 1916, no auge do conflito mais sangrento da Humanidade. O parágrafo derradeiro é um magnífico libelo contra a estupidez, antecipando, de maneira premonitória e apocalíptica, a criação da bomba atômica e o fim do mundo (V. abaixo). 
   

(Fevereiro, 2017)



Avaliação: MUITO BOM     


Curiosidades:


1) Ato falho ou erro? À página 167, o narrador chama a atenção para "as grossas tranças castanhas" de Ada, por quem é apaixonado e que, mais tarde, se tornará sua cunhada. Logo depois, à página 170, essas mesmas tranças tornam-se negras...
2) Sempre me causa impressão o espaço que o espiritismo ocupava na sociedade europeia do fim do século XIX e começo do século XX. Aqui, há uma hilária descrição de uma tentativa de comunicação com os mortos, entre as páginas 111-115.



Entre aspas:

“A doença é uma convicção (...)" (p. 17)

"Pode-se chegar ao assassínio por ódio ou por amor; mas à instigação do assassínio só se chega por crueldade". (p. 36)

"A verdadeira religião é exatamente aquela de que não se tem necessidade de professar em alta voz para obter - embora raramente - o conforto que algumas vezes nos é indispensável". (p. 59)

"(...) quando a gente se une neste mundo é só por um período demasiado breve, e não chegamos a compreender como é possível que se atinja uma intimidade após decorrer um tempo infinito e nunca mais se volte a rever por outra infinidade". (p. 148)

"Na psicanálise nunca se repetem as mesmas imagens nem as mesmas palavras. (...) quando semelhante análise tem início, é como se entrássemos num bosque sem saber se vamos topar com um bandido ou um amigo. Tampouco se sabe, depois de passada a aventura. Nisto a psicanálise lembra o espiritismo". (p. 384)



Último parágrafo:

“Talvez por meio de uma catástrofe inaudita, provocada pelos artefatos, havemos de retornar à saúde. Quando os gases venenosos já não bastarem, um homem feito como todos outros, no segredo de uma câmara qualquer neste mundo, inventará um explosivo incomparável, diante do qual os explosivos de hoje serão considerados brincadeiras inócuas. E um outro homem, também feito da mesma forma que os demais, roubará esse explosivo e penetrará até o centro da Terra para pô-lo no ponto em que seu efeito possa ser o máximo. Haverá uma explosão enorme que ninguém ouvirá, e a Terra, retornando à sua forma original de nebulosa, errará pelos céus, livre dos parasitos e das enfermidades”. (p. 403)

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