domingo, 11 de novembro de 2018

A falência (1901)
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934- BRASIL                     
Florianópolis/Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres/Edunisc, 2003, 374 páginas



A ação se passa em 1891, ano “em que o preço do café assumira proporções extraordinárias” (p. 31), logo após a implantação da República, época também das grandes especulações financeiras na Bolsa de Valores, período conhecido como Encilhamento. Francisco Teodoro, imigrante chegado ainda criança de Portugal, “sem bagagem” (p. 34), “quase analfabeto, com a cabeça raspada, a jaqueta russa e os sapatões barulhentos” (p. 41), alcança fortuna, dono de uma das casas “mais graúdas no comércio de café” (p. 29) no Rio de Janeiro. Com “um belo ar de burguês satisfeito” (p. 30), mora com a família numa mansão na praia de Botafogo, “em que as roupas, as comidas e as bebidas atafulhavam os armários e a despensa até a brutalidade” (p. 209). A mulher, Camila, filha de “gente pobre, mas de educação” (p. 45), vive para festas e para o amante, o doutor Gervásio, um médico rico que não precisa exercer a profissão. O filho mais velho, Mário, sabendo do caso extraconjugal da mãe, vinga-se, gastando dinheiro com mulheres e farras, indignado com o comportamento de Camila e com a cegueira do pai, único entre todos a não desconfiar do adultério. Há ainda a filha Ruth, violinista sensível e talentosa, as irmãs gêmeas Lia e Rachel, a sobrinha Nina, filha de um irmão de Camila, e a empregada Noca, espécie de faz-tudo. Pouco a pouco, Francisco Teodoro envolve-se com especulações sobre o preço do café até que, falido, mata-se, envergonhado por não conseguir manter seu sonho de “ser o primeiro negociante, o mais hábil, o mais forte” (p. 33). Assim, empobrecida, a família muda-se para uma pequena casa no subúrbio, que Francisco Teodoro havia doado para o futuro incerto de Nina, longe dos antigos amigos e abandonados até mesmo por Mário, agora casado com a nobre e rica Paquita, “arzinho enfadado de loura anêmica”, (p. 184). Noca, Nina e Ruth começam a trabalhar para compor o orçamento doméstico, enquanto Camila descobre decepcionada que o amante havia lhe mentido todo o tempo, pois, casado, havia deixado a mulher por ela ter cometido adultério... Romance fluido, escrito na terceira pessoa, o que deixa a narradora à vontade para comentar o que vai na consciência dos personagens, é uma crítica acerba a respeito da desigualdade social – “Que direito teriam uns a todas as primícias e regalos da vida, se havia outros que nem por uma nesga viam a felicidade?” (p. 238), pergunta-se Ruth -, do trabalho como instrumento de emancipação do ser humano e do papel da mulher na sociedade. A opressão de Camila se dá tanto pelo marido, João Teodoro – “A mulher nasceu para mãe de família. O lar é o seu altar; deslocada dele não vale nada!” (p. 81);  “não quis casar com mulher sabichona. É nas medíocres que se encontram as esposas” (p. 132), ele pensa –, quanto pelo amante, Gervásio, um sujeito arrogante e superficial, que faz de Camila “obra sua”, pois ele a transforma, mudando-a “ao influxo de seus gostos, da sua convivência e do seu espírito” (p. 75). O romance também denuncia, de forma veemente, a violência doméstica contra as mulheres, sejam ricas como D. Joana, uma das tias de Camila, viúva de um colchoeiro, “de quem sofrera os maus tratos que, na inconsciência das bebedeiras, ele lhe ministrava” (p. 61); ou como a mãe do Capitão Rino, “morta a facada pelo pai, como adúltera” (p. 196); sejam miseráveis como Sancha, a empregada que ironicamente apanha todos os dias de D. Joana, com a conivência indiferente da outra tia, D. Etelvina. A narradora passeia com absoluta competência tanto pelas mansões e armazéns do cais do porto, quanto pelas favelas nascentes (“Era o resto de uma cidade, tomada de assalto por gente expatriada, resignada a tudo: ao pão duro e à sombra de qualquer telha barata. Uma pobreza avarenta aquela, que formigava por toda a encosta de lajedos brutos, entre ratazanas e águas servidas” (p. 101)). Com competência, ela consegue, até mesmo, formular um diagnóstico bastante preciso do que o país iria se tornar: “A pulsação do seu sangue alvoraçado dava-lhe [ a João Teodoro] a percepção fantástica de que o Brasil seria arrastado vertiginosamente pela maldade de uns, a ignorância de outros e a ambição de todos, em voragens abertas pela política amaldiçoada” (p. 312).


(Novembro, 2018)



Avaliação: MUITO BOM

Entre aspas: 



“Qual é a mulher, por mais estúpida, ou mais indiferente, que não adivinhe, que não sinta o adultério do marido no próprio dia em que ele é cometido? Há sempre um vestígio da outra, que se mostra em um gesto,, em um perfume, em uma palavra, em um carinho... Eles traem-se com as compensações que nos trazem...”. (p. 72)



“Os senhores romancistas não perdoam às mulheres; fazem-nas responsáveis por tudo – como se não pagássemos cara a felicidade que fruímos! Nesses livros tenho sempre medo do fim; revolto-me contra os castigos que eles infligem às nossas culpas, e desespero-me por não poder gritar-lhe: hipócritas! Hipócritas”. (p. 71-72)




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