A falência (1901)
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) - BRASIL
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) - BRASIL
Florianópolis/Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres/Edunisc, 2003, 374 páginas
(Novembro, 2018)
A ação se passa em 1891, ano “em que o preço do café
assumira proporções extraordinárias” (p. 31), logo após a implantação da
República, época também das grandes especulações financeiras na Bolsa de
Valores, período conhecido como Encilhamento. Francisco Teodoro, imigrante
chegado ainda criança de Portugal, “sem bagagem” (p. 34), “quase analfabeto,
com a cabeça raspada, a jaqueta russa e os sapatões barulhentos” (p. 41),
alcança fortuna, dono de uma das casas “mais graúdas no comércio de café” (p.
29) no Rio de Janeiro. Com “um belo ar de burguês satisfeito” (p. 30), mora com
a família numa mansão na praia de Botafogo, “em que as roupas, as comidas e as
bebidas atafulhavam os armários e a despensa até a brutalidade” (p. 209). A
mulher, Camila, filha de “gente pobre, mas de educação” (p. 45), vive para
festas e para o amante, o doutor Gervásio, um médico rico que não precisa
exercer a profissão. O filho mais velho, Mário, sabendo do caso extraconjugal
da mãe, vinga-se, gastando dinheiro com mulheres e farras, indignado com o
comportamento de Camila e com a cegueira do pai, único entre todos a não
desconfiar do adultério. Há ainda a filha Ruth, violinista sensível e
talentosa, as irmãs gêmeas Lia e Rachel, a sobrinha Nina, filha de um irmão de
Camila, e a empregada Noca, espécie de faz-tudo. Pouco a pouco, Francisco
Teodoro envolve-se com especulações sobre o preço do café até que, falido,
mata-se, envergonhado por não conseguir manter seu sonho de “ser o primeiro
negociante, o mais hábil, o mais forte” (p. 33). Assim, empobrecida, a família
muda-se para uma pequena casa no subúrbio, que Francisco Teodoro havia doado
para o futuro incerto de Nina, longe dos antigos amigos e abandonados até mesmo
por Mário, agora casado com a nobre e rica Paquita, “arzinho enfadado de loura
anêmica”, (p. 184). Noca, Nina e Ruth começam a trabalhar para compor o
orçamento doméstico, enquanto Camila descobre decepcionada que o amante havia
lhe mentido todo o tempo, pois, casado, havia deixado a mulher por ela ter
cometido adultério... Romance fluido, escrito na terceira pessoa, o que deixa a
narradora à vontade para comentar o que vai na consciência dos personagens, é
uma crítica acerba a respeito da desigualdade social – “Que direito teriam uns
a todas as primícias e regalos da vida, se havia outros que nem por uma nesga
viam a felicidade?” (p. 238), pergunta-se Ruth -, do trabalho como instrumento
de emancipação do ser humano e do papel da mulher na sociedade. A opressão de
Camila se dá tanto pelo marido, João Teodoro – “A mulher nasceu para mãe de
família. O lar é o seu altar; deslocada dele não vale nada!” (p.
81); “não quis casar com mulher sabichona. É nas medíocres que se
encontram as esposas” (p. 132), ele pensa –, quanto pelo amante, Gervásio, um
sujeito arrogante e superficial, que faz de Camila “obra sua”, pois ele a
transforma, mudando-a “ao influxo de seus gostos, da sua convivência e do seu
espírito” (p. 75). O romance também denuncia, de forma veemente, a violência
doméstica contra as mulheres, sejam ricas como D. Joana, uma das tias de
Camila, viúva de um colchoeiro, “de quem sofrera os maus tratos que, na
inconsciência das bebedeiras, ele lhe ministrava” (p. 61); ou como a mãe do
Capitão Rino, “morta a facada pelo pai, como adúltera” (p. 196); sejam
miseráveis como Sancha, a empregada que ironicamente apanha todos os dias de D.
Joana, com a conivência indiferente da outra tia, D. Etelvina. A narradora
passeia com absoluta competência tanto pelas mansões e armazéns do cais do
porto, quanto pelas favelas nascentes (“Era o resto de uma cidade, tomada de assalto por gente expatriada,
resignada a tudo: ao pão duro e à sombra de qualquer telha barata. Uma pobreza
avarenta aquela, que formigava por toda a encosta de lajedos brutos, entre
ratazanas e águas servidas” (p. 101)). Com competência, ela consegue, até
mesmo, formular um diagnóstico bastante preciso do que o país iria se tornar:
“A pulsação do seu sangue alvoraçado dava-lhe [ a João Teodoro] a percepção
fantástica de que o Brasil seria arrastado vertiginosamente pela maldade de
uns, a ignorância de outros e a ambição de todos, em voragens abertas pela
política amaldiçoada” (p. 312).
(Novembro, 2018)
Avaliação: MUITO BOM
Entre aspas:
Entre aspas:
“Qual é a mulher, por mais estúpida, ou mais indiferente,
que não adivinhe, que não sinta o adultério do marido no próprio dia em que ele
é cometido? Há sempre um vestígio da outra, que se mostra em um gesto,, em um
perfume, em uma palavra, em um carinho... Eles traem-se com as compensações que
nos trazem...”. (p. 72)
“Os senhores romancistas não perdoam às mulheres; fazem-nas
responsáveis por tudo – como se não pagássemos cara a felicidade que fruímos!
Nesses livros tenho sempre medo do fim; revolto-me contra os castigos que eles
infligem às nossas culpas, e desespero-me por não poder gritar-lhe: hipócritas!
Hipócritas”. (p. 71-72)
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