domingo, 27 de maio de 2018

Só para fumantes (1955-1992)
Julio Ramón Ribeyro (1929-1994) - PERU             
Tradução: Laura Janina Hosiasson  
São Paulo: CosacNaify, 2007, 295 páginas


Esta coletânea, em sua heterogeneidade, exibe a marca pessoal que perpassa grande parte dos treze contos selecionados dentre a vasta obra do Autor: uma finíssima ironia, que às vezes descamba para o humor mais escrachado. O texto que dá título ao livro, "Só para fumantes", publicado originalmente em 1987, se destaca por sua profunda honestidade: o narrador escreve sua biografia a partir da relação com o cigarro. Sem qualquer autopiedade, mostra a completa entrega ao vício - que, na realidade, o levaria à morte precoce -, com direito a uma hilária tese explicativa sobre porque os homens fumam (ver páginas 52-53). O que impressiona no Autor é sua capacidade de percorrer, com total verossimilhança, os mais diversos segmentos da sociedade. Ele conhece a vida miserável dos catadores de um lixão na periferia de Lima ("Urubus sem penas"*), o monótono cotidiano dos professores universitários em Ayacucho ("Os jacarandás"), a existência fechada da aristocracia rural do vale do Tarma ("Sílvio no Roseiral"). Para mim, os melhores contos são aqueles em que o trágico e o cômico convergem para traçar o retrato de vidas miúdas e cinzentas (e, aqui, a influência do italiano Luigi Pirandello é patente): "O professor substituto", "Espumante no porão", "O pó do saber" e "Tia Clementina". Destacaria ainda o engraçadíssimo "Explicações a um cabo da polícia", o melancólico "Ao pé da escarpa" e o fantástico "Ridder e o pesa-papéis". "Os armários, os velhos e a morte" não chega a se constituir uma peça de ficção - trata-se de uma bela crônica - e "O embarcadouro da esquina" é uma narrativa fraca.




* O final trágico de "Urubus sem penas", em que o avô é devorado pelos porcos que criava, lembra sobremaneira um conto da infelizmente hoje esquecida Julia Lopes de Almeida (1862-1934), "Os porcos", do livro "Ânsia eterna", de  1903, e uma cena do romance "Canaã", de Graça Aranha (1868-1931), publicado em 1902.



(Maio, 2018)




Avaliação: MUITO BOM

Entre aspas: 



"(...) as ações repreensíveis, quando recíprocas e equivalentes, criam um status quo, permitindo uma convivência harmoniosa" (pág. 22)

"(...) os cachorros, assim como muitas pessoas, precisam de um amo para conseguir viver" (pág. 99)

"(...) o amor é tão amargo quanto a morte" (pág. 172)



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