125 Contos
Guy de Maupassant (1850-1893) - FRANÇA
Guy de Maupassant (1850-1893) - FRANÇA
Tradução: Amílcar Bettega
São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 821 páginas
São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 821 páginas
Esta coletânea tem a vantagem de reunir praticamente a obra completa em narrativas curtas do Autor, de tal maneira que podemos, ao final, constituir uma opinião panorâmica e não apenas impressões pontuais. O que nos fica, desta vastíssima produção, é que, na maior parte dos contos, o Autor obedece a um modelo pré-estabelecido: o narrador empresta a um personagem a fala, em primeira pessoa, para que este explane um caso acontecido - uma "anedota", na maioria das vezes, entendendo-se anedota como uma espécie de "causo", algo que se conta em uma mesa de bar, sem complexidade e sem profundidade. O cenário alterna-se entre Paris e lugarejos da Normandia e os assuntos são miudezas recolhidas no cotidiano - aliás, os títulos dos contos revelam os temas a serem dissertados em um número de páginas também fixo, cinco, em média. Os melhores resultados acham-se justamente naqueles textos que fogem a esse padrão. E, embora a maioria absoluta de suas histórias seja ancorada no real, é quando o Autor afasta-se dele, nem que seja momentaneamente, que consegue produzir algumas pequenas obras-primas, como os magníficos "Sobre a água", "A noite" , "Quem sabe?" ou ainda "O Horla". Mas das experiências realistas também florescem ótimos contos, como os inspirados em episódios da guerra franco-prussiana (1870-1871): "A louca", "Dois amigos" ou "Bola de sebo", no qual certamente Chico Buarque bebeu para compor "Geni e o zepelim". Também das questões ligadas ao amor nascem bons momentos, como "A empalhadora", "Madame Baptiste", "Arrependimento" ou "A volta", com seus trágicos desenlaces, ou "Uma aventura parisiense", que em tudo se assemelha ao maravilhoso romance Madame Bovary (1857), de seu mestre, Gustave Flaubert (1821-1880). A destacar ainda as cenas de desentendimentos ocasionados pelo mais puro egoísmo: "Pierrô", "No campo", "O abandonado", "A confissão", "O órfão". São pérolas "Meu tio Jules", "O colar", "O porto", "Um covarde", "O vagabundo" (a única história de cunho claramente social de todo o livro), e "Condecorado!", um conto que tem como mote o mesmo enredo do conto "Numa e a ninfa", de Lima Barreto (1881-1922), publicado em 1911.
Curiosidades:
1) O conto "O albergue" tem como tema a luta perdida do homem contra a natureza, no caso, o frio extremo, e lembra muito "A fogueira", do livro homônimo, do norte-americano Jack London (1876-1916), publicado aqui em 31-12-2016; "O patrão e o empregado", de Liev Tolstói (1828-1910), em Contos 3, publicado em 15-11-2017; e "Aflição", de Anton Tchekov (1860-1904), publicado aqui em 07-02-2018.
2) O Autor demonstra, em pelo menos dois contos, interesse bastante amplo pela possibilidade de vida extraterrestre. Em "O Horla", escreve: "As estrelas tinham cintilações vibrantes no fundo negro do céu. Quem habita esses mundos? Que formas, que seres vivos, que animais, que plantas existem lá? O que eles sabem a mais do que nós, os que pensam nesses universos longínquos? O que podem a mais do que nós? O que veem que não conhecemos? E um deles, um dia ou outro, não atravessará o espaço e aparecerá sobre a nossa Terra para conquistá-la, como os normandos antigamente atravessaram o mar para dominar povos mais fracos?" (p. 706). E em "O homem de Marte" chega mesmo a descrever um acidente com um objeto voador não identificado: "De súbito percebi acima de mim, muito perto, um globo luminoso, transparente, rodeado de asas imensas e palpitantes, ou pelo menos pensei ver asas na semi-escuridão da noite. Ele fazia voltas como um pássaro ferido, girava em torno de si mesmo com um grande e misterioso ruído, parecia ofegante, moribundo, perdido. Passou à minha frente. Algo como um monstruoso balão de cristal, cheio de seres enlouquecidos, mal-e-mal visíveis mas agitados como a tripulação de um navio em perigo, que não se governa mais e que rola de onda em onda. E descrevendo uma curva imensa, o estranho globo foi desabar ao longe, no mar, onde ouvi sua queda profunda, como o barulho de um tiro de canhão" (pág. 805-806).
3) O Brasil surge três vezes. No conto "O Horla" desencadeia o que o narrador chama de epidemia de loucura. Na pág. 690, ele avista "após duas escunas inglesas (...) uma soberba embarcação de três mastros brasileira (...)", e, na pág. 707, cita um pretenso artigo da Revue du Monde Scientifique: "Uma notícia bastante curiosa chega-nos do Rio de Janeiro. Uma loucura, uma epidemia de loucura, comparável às demências contagiosas que atingiram os povos da Europa na Idade Média, atualmente causa danos na província de São Paulo" etc. E, depois, no conto "O porto": "Uma vez desembarcada a primeira carga no porto chinês para onde se dirigia, logo surgira um novo frete para Buenos Aires, e, dali, carregara mercadorias para o Brasil" (pág. 756).
Curiosidades:
1) O conto "O albergue" tem como tema a luta perdida do homem contra a natureza, no caso, o frio extremo, e lembra muito "A fogueira", do livro homônimo, do norte-americano Jack London (1876-1916), publicado aqui em 31-12-2016; "O patrão e o empregado", de Liev Tolstói (1828-1910), em Contos 3, publicado em 15-11-2017; e "Aflição", de Anton Tchekov (1860-1904), publicado aqui em 07-02-2018.
2) O Autor demonstra, em pelo menos dois contos, interesse bastante amplo pela possibilidade de vida extraterrestre. Em "O Horla", escreve: "As estrelas tinham cintilações vibrantes no fundo negro do céu. Quem habita esses mundos? Que formas, que seres vivos, que animais, que plantas existem lá? O que eles sabem a mais do que nós, os que pensam nesses universos longínquos? O que podem a mais do que nós? O que veem que não conhecemos? E um deles, um dia ou outro, não atravessará o espaço e aparecerá sobre a nossa Terra para conquistá-la, como os normandos antigamente atravessaram o mar para dominar povos mais fracos?" (p. 706). E em "O homem de Marte" chega mesmo a descrever um acidente com um objeto voador não identificado: "De súbito percebi acima de mim, muito perto, um globo luminoso, transparente, rodeado de asas imensas e palpitantes, ou pelo menos pensei ver asas na semi-escuridão da noite. Ele fazia voltas como um pássaro ferido, girava em torno de si mesmo com um grande e misterioso ruído, parecia ofegante, moribundo, perdido. Passou à minha frente. Algo como um monstruoso balão de cristal, cheio de seres enlouquecidos, mal-e-mal visíveis mas agitados como a tripulação de um navio em perigo, que não se governa mais e que rola de onda em onda. E descrevendo uma curva imensa, o estranho globo foi desabar ao longe, no mar, onde ouvi sua queda profunda, como o barulho de um tiro de canhão" (pág. 805-806).
3) O Brasil surge três vezes. No conto "O Horla" desencadeia o que o narrador chama de epidemia de loucura. Na pág. 690, ele avista "após duas escunas inglesas (...) uma soberba embarcação de três mastros brasileira (...)", e, na pág. 707, cita um pretenso artigo da Revue du Monde Scientifique: "Uma notícia bastante curiosa chega-nos do Rio de Janeiro. Uma loucura, uma epidemia de loucura, comparável às demências contagiosas que atingiram os povos da Europa na Idade Média, atualmente causa danos na província de São Paulo" etc. E, depois, no conto "O porto": "Uma vez desembarcada a primeira carga no porto chinês para onde se dirigia, logo surgira um novo frete para Buenos Aires, e, dali, carregara mercadorias para o Brasil" (pág. 756).
(Abril, 2018)
Avaliação: BOM
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