quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Os noivos  (1827-1840)
Alessandro Manzoni (1785-1873) - ITÁLIA   
Tradução: Francisco Degani  
 São Paulo: Nova Alexandria, 2012, 646 páginas





Estamos no começo do século XVII. mais especificamente em 1628. Lorenzo Tramaglino (Renzo) e Lucia Mondella são dois jovens moradores do lugarejo de Lecco, às margens do lago Como, na Lombardia, um ducado então pertencente aos domínios da Espanha. No dia do casamento, o pároco, dom Abbondio, recebe a visita de bravos, delinquentes a serviço de dom Rodrigo, o tirano local, que avisam que o matrimônio não pode se realizar, porque o chefe tem interesse na moça. Covarde e hipócrita, temendo pela vida, dom Abbondio de imediato comunica-os do impedimento. Renzo, um pequeno agricultor, deseja vingança, mas entende que nada pode contra o poderoso adversário, que, sem que saibam, pretende raptar Lucia. Perseguidos, eles tentam enganar o pároco, mas, saindo tudo errado, buscam a interferência de um bom capuchinho, padre Cristoforo, e fogem - Lucia e a mãe vão para um convento em Monza, e Renzo para Milão. No entanto, em Milão, o rapaz se envolve numa rebelião de rua contra a carestia e é identificado como um dos líderes populares. Então, refugia-se em Bergamo, que à época fazia parte da República de Veneza, longe portanto do alcance da justiça lombarda. Em Bergamo, Renzo fica por 20 meses, trabalhando com um primo numa tecelagem de seda. Neste ínterim, Lucia, traída pela superiora do convento, é entregue aos bravos do Inominado, um sujeito cruel e sanguinário, aliado de dom Rodrigo. Num momento de pânico, Lucia promete manter-se virgem, caso sobreviva àquela provação. No entanto, ao conhecê-la no castelo inexpugnável, o Inominado é tocado pela pureza e pela fé de Lucia, e renuncia à vida de crimes, convertendo-se em um homem pio e seguidor dos mandamentos. E aqui há um importante interregno, que revela o ponto alto das capacidades do Autor, o seu fantástico poder de descrição. A partir da página 396 (capítulo XXVIII) até a página 534 (capítulo XXXVII), mesclando história e ficção, consegue descrever, com impressionante habilidade de evocação, o cenário de caos que se abate sobre Milão, primeiro com as revoltas por causa da fome provocada por más colheitas e especulação, depois pelo medo e pela destruição causada pelos invasores alemães (na verdade, austríacos) e na sequência pela peste que se abate sobre toda a região. São páginas que valem o livro inteiro. Renzo sobrevive à peste e sai à procura de Lucia, que encontra num lazareto, também sobrevivente. Renzo promove o encontro de Lucia  com o padre Cristoforo, que também está no lazareto, e ele a libera do voto de castidade. Renzo e Lucia se casam, vão viver em Bergamo, onde, com o dinheiro deixado como dote pelo Inominado, ele compra em sociedade com o primo, uma tecelagem de seda. A peste varreu o mundo, a vida renasce. Interessante que há várias inversões entre bem e mal ao longo do livro. Cito duas: quando Lucia busca refúgio no convento em Monza (o bem) é traída pela superiora (o mal); quando chega ao castelo do Inominado (o mal) é por ele libertada (o bem). A narrativa, embora alicerçada em pressupostos românticos, contém alguns expedientes modernos - como a criação de uma falso manuscrito anônimo anterior, no qual o narrador se baseia para escrever sua versão -, a mistura de ficção e história - o autor faz inúmeras citações em notas de rodapé -, e a forma como dialoga todo o tempo com o leitor (por exemplo, à página 470: "Talvez vocês quisessem um Bortolo mais ideal, não sei o que dizer, fabriquem-no. Esse era assim."), que lembra o nosso Machado de Assis (1839-1908)


(Janeiro, 2018)




Avaliação: MUITO BOM

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