terça-feira, 2 de maio de 2017

1919 (1932)
John dos Passos (1896-1970) - Estados Unidos
São Paulo: Abril Cultural, 1983, 395 páginas
Tradução: Daniel Gonçalves




Um romance peculiar que, tendo a I Guerra Mundial como tema principal e quase único, não descreve cenas de batalha, não relata atos de heroísmo ou covardia, não passeia por cidades e paisagens arrasadas por bombas. O que avulta aqui é a discussão sobre os bastidores do conflito, os interesses econômicos das grandes corporações norte-americanas, as estratégias das nações envolvidas na conflagração para ampliar seus espaços de operação, e, de quebra, a brutal repressão, nos Estados Unidos, dos movimentos sindical e de esquerda (anarquistas e comunistas). Formalmente, o livro desenvolve-se em blocos: "Noticiário" (recortes de manchetes e trechos de matérias de jornais da época); "A lente objetiva" (fragmentos caóticos de personagens anônimos); biografias de personagens reais (o jornalista John Reed, o escritor Randolph Bourne, os presidentes Theodore Roosevelt* e Woodrow Wilson, o diplomata Paxton Hibben, o banqueiro J.P. Morgan, o líder anarquista Joe Hill, e o Soldado Desconhecido); e narrativas ficcionais. São cinco personagens principais: o marinheiro Joe Williams, que, depois de sobreviver a dois naufrágios causados por torpedeamentos de submarinos alemães, morre estupidamente numa briga; Richard Ellsworth Savage, um sujeito de classe média baixa, criado sem pai, que, indo para a França como voluntário para dirigir ambulâncias, acaba capitão do Exército, vivendo à grande entre missões do correio; Eveline Hutchins, filha de um médico, que, após um rápido flerte com ideais esquerdistas, entra como voluntária na Cruz Vermelha em Paris; Anne Elizabeth Trent (Filhinha), de família de fazendeiros texanos, que se envolve, por causa do namorado, com grevistas e pacifistas, e que vai então para a Itália prestar serviços na instituição metodista Organização de Auxílio ao Próximo Oriente; e Ben Compton, jovem judeu que se torna líder sindical e, por conta de sua militância, é condenado a dez anos de prisão. Entremeadas a essas biografias, vários outros personagens entrecruzam-se - exceto o marinheiro Joe Williams e Ben Compton, cujas narrativas não se comunicam com nenhuma outra. É curioso que, para essas personagens, a guerra surge como uma oportunidade de "excursão gratuita" (p. 172) pela Europa. Eles se divertem, bebendo, comendo, transando, alheados e alienados da matança desenfreada que ocorria a poucos quilômetros de onde estavam instalados. A Conferência de Paz de Paris, que se estende por todo o ano de 1919 (daí o título do livro), e que põe fim efetivamente à Primeira Guerra Mundial, significa uma "gigantesca era de expansão (...) para a América lleia-se, Estados Unidos}" (p. 190), já que "o único meio de assegurarmos para o mundo os benefícios da paz consiste em dominá-lo" (p. 261). Ou, como explica Dick (Richard Savage) a Anne Elizabeth (Filhinha): "somos os romanos do século vinte" (p. 313). Ao contrário, o ativista Ben Compton argumenta que "os governos capitalistas estão (...) empurrando o povo para o matadouro numa guerra louca e desnecessária que não beneficia ninguém, salvo os banqueiros e os fabricantes de armamentos" (p. 371). Mas, "ser vermelho em 1919 era pior do que ser germanófilo ou pacifista em 1917)" (p. 381)... Um romance sempre atual...


Avaliação: MUITO BOM  

(Maio, 2017)


Curiosidade

* O Brasil surge à pág. 124, na biografia de Theodore Roosevelt.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.