O Pai Goriot (1835)
Honoré de Balzac (1799-1850) - FRANÇA
Tradução: Gomes da Silveira
São Paulo: Biblioteca Azul, 2012, 321 páginas
O Pai Goriot é um dos títulos presentes neste quarto volume de A Comédia Humana, ciclo monumental onde o Autor enfeixou, organizando e conectando, sua obra inteira. Neste romance, estratégias narrativas típicas do Romantismo encontram-se subordinadas a uma abordagem temática definitivamente realista. Os traços românticos podem ser entrevistos na existência de um "vilão" com dupla identidade (Vautrin, que é na verdade Jacques Collin, conhecido no submundo como "Engana-A-Morte"), na condução que provoca o desfecho abrupto da trama em um espaço único e em um período de tempo bastante exíguo (no caso, em apenas um dia todos os nós da história são desfeitos) e nos diálogos teatrais que beiram ao melodrama (principalmente, no encontro entre as filhas, a baronesa Delphine de Nucingen e a condessa Anastasie de Restaud*, com o pai delas, Jean-Joachim Goriot, em um quarto miserável de pensão). É curioso que, embora o romance tenha como foco a relação trágica entre o pai amoroso, ciumento e possessivo, Goriot, com suas filhas, fúteis, injustas e ingratas, o livro versa muito mais sobre o duro aprendizado do jovem estudante Eugène de Rastignac sobre o funcionamento do lamaçal que constitui a alta sociedade parisiense, hipócrita, cínica e cruel**. Rastignac chega a Paris, vindo do interior, para estudar Direito, mas logo deslumbra-se com as luzes da cidade. Morando na modesta pensão da Sra. Vauquer, percebe que, caso queira enfronhar-se entre os aristocratas, teria que fazer opções éticas e morais. Descobre um parentesco longínquo com a viscondessa de Béauseant e, por meio dela, passa a frequentar as festas, os jantares, o teatro, com dinheiro extorquido, em chantagens emocionais, de sua mãe e irmãs***. Logo aproxima-se da condessa de Restaud e em seguida da baronesa de Nucingen, que, descobre, são filhas de seu vizinho de pensão, Goriot, um comerciante que enriqueceu especulando com trigo durante a Revolução Francesa e que retirou-se, por imposição dos genros, por ser burguês e "revolucionário" - a história se passa na época da Restauração, ou seja, quando a antiga monarquia retorna ao poder. Rastignac compreende a podridão em que está se metendo e decide, no final, aceitar as regras propostas. A narrativa, edificada em personagens complexos e multifacetados, exibe as entranhas da alta sociedade, deixando-nos uma lição: "O segredo das grandes fortunas sem causa aparente é um crime esquecido porque o serviço foi bem feito" (p. 143).
(Março, 2017)
Curiosidades:
* É incompreensível porque os tradutores transliteravam os nomes
de alguns personagens - Eugène vira Eugênio, Delphine vira Delfina, Anastasie
vira Anastácia, mas Jacques... se mantém Jacques... Ainda bem que os tradutores
modernos mantêm os nomes próprios tais quais encontram-se no texto original.
** Vale a pena observar o perfeito retrato
traçado pelo cínico Vautrin sobre a sociedade francesa do começo do século XIX
(p. 136 e seguintes) - que, infelizmente, em nada se diferencia do Brasil de
hoje: "Sabe como é que a gente faz carreira aqui? Pelo brilho da
inteligência ou pela habilidade da corrupção. É preciso penetrar nessa massa
humana, como um projétil de canhão, ou insinuar-se no meio dela como uma peste.
A honestidade não serve para nada".
*** A trajetória de Eugène de Rastignac
é a mesma de Lucien de Rubempré, protagonista de Ilusões perdidas (1836-1843), outro romance de Balzac.
Ambos são jovens que chegam do interior, membros de uma pequena aristocracia
falida, ambiciosos e ingênuos, que chantageiam os parentes pobres para poder
brilhar na sociedade parisiense.
Avaliação: MUITO BOM
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