quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Um túmulo para Boris Davidovitch (1976)
Danilo Kis (1935-1989) - Sérvia    
Tradução: Heloísa Jahn                 
São Paulo: Companhia das Letras, 1987, 150 páginas



Livro de difícil classificação de um autor de difícil classificação. Filho de judeu húngaro e mãe montenegrina, nasceu no então Reino da Iugoslávia (depois República da Iugoslávia, numa cidade que hoje é Sérvia) e escreveu em servo-croata. Um túmulo para Boris Davidovitch é, na verdade, a reunião de sete narrativas independentes - por ele mesmo intituladas "contos" - que formam um sólido conjunto temático que pode ser lido como um romance-mosaico. Seis dos sete textos tratam do terror sob a ditadura estalinista - o clima de traições, mentiras, torturas, assassinatos -, enquanto um deles, "Cães e livros", recua a história até o século XIV, na época da Inquisição na França, para iluminar o presente, numa demonstração de que a Humanidade, em nome de uma religião ou em nome de uma ideologia, continua mais próxima da barbárie que imaginamos. O autor utiliza uma linguagem intencionalmente "neutra", quase relatorial*, para expor os "processos jurídicos" mais inacreditáveis, como o do próprio protagonista, o comissário do povo Boris Davidovitch, enredado em uma trama tão surrealista que vê frustrada até mesmo a possibilidade de morrer de forma digna**. 


* É interessante como o autor retoma o procedimento formal de Franz Kafka (1883-1924), a narrativa seca e burocrática, e mescla com a maneira falsamente ensaística de Jorge Luis Borges (1899-1996), conformando, ao fim e ao cabo, um estilo absolutamente singular.  
**Lamentável apenas o fato de a tradução não ter sido feita diretamente do original servo-croata e sim do cotejamento das versões em inglês e francês.


Avaliação: MUITO BOM  

(Agosto, 2016)


Entre aspas

"(...) uma grande quantidade de livros nunca é perigosa, enquanto um só livro sim, é perigoso; (...) a leitura de uma grande quantidade de livros conduz à sabedoria, e a leitura de um único à ignorância armada de loucura e ódio". (p. 128)

"(...) os sofrimentos provisórios da existência são preferíveis ao vazio definitivo do nada". (p. 128)


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