sexta-feira, 17 de setembro de 2021

 O livro do xadrez (1942)

Stefan Zweig (1881-1942) - ÁUSTRIA 

Tradução: Silvia Bittencourt      

São Paulo: Fósforo, 2021, 82 páginas



Este conto longo (ou pequena novela, como queiram) contraria aqueles que acreditam em volume e não em qualidade. Em suas pouco mais de sessenta páginas, somos apresentados a um personagem intrigante, o campeão de xadrez Mirko Czentovic, órfão, "filho de um barqueiro eslavo da região setentrional do Danúbio, extremamente pobre" (p. 8), criado por um padre, entusiasta amador do jogo. Apesar de considerado um gênio do xadrez, Czentovic era pouco inteligente, tímido, intratável, pois, acima de tudo, faltava-lhe imaginação, o que não impedia, entretanto, que ele conseguisse brilhar neste jogo que "não está em permanente evolução, ao mesmo tempo que segue estéril, pensamento que não leva a nada, matemática que nada calcula, arte sem obras, arquitetura sem substância, e mesmo assim a mais constante em sua existência do que os livros e obras" (p. 14). Mas, após essa apresentação de um brilhante jogador e medíocre personalidade, que julgaríamos protagonista da história, somos apresentados a outro personagem, esse sim fascinante, o advogado doutor B. Mas, vamos ao cenário. O narrador encontra-se num vapor de passageiros que faz a viagem de Nova York a Buenos Aires, com uma escala no Rio de Janeiro - onde desembarcará -, e descobre que irá desfrutar da companhia de Czentovic, uma verdadeira celebridade, que, após ganhar todos os torneios nos Estados Unidos, parte para Buenos Aires, para desafiar os enxadristas locais. O narrador, um enxadrista amador, tenta se aproximar de Czentovic, para conhecer melhor sua personalidade, mas esbarra em sua total insociabilidade. Até que, por dinheiro, Czentovic aceita o convite-desafio de um engenheiro civil escocês, McConnor, que fizera fortuna com poços de petróleo na Califórnia, e enfrenta um grupo, capitaneado por McConnor, que joga coletivamente. Ele ganha fácil, mas MConnor pede revanche. Na segunda partida, já praticamente decidida em favor de Czentovic, um anônimo se aproxima e orienta a movimentação das peças no tabuleiro, conduzindo a partida para o empate. Entusiasmado, McConnor desafia Czentovic para uma nova partida, no dia seguinte, em nome do anônimo, que já havia desaparecido nos corredores do navio. O narrador procura o anônimo e comunica o desafio aceito por Czentovic, o que, num primeiro momento, o deixa em pânico, mas em seguida o arrebata. Então, em poucas páginas, ficamos conhecendo a história do doutor B., advogado de mosteiros e da família real austríaca, encarregado de contrabandear suas fortunas para fora do país, antes que sejam confiscadas pelo regime nazista. Doutor B. é de família nobre da Áustria e, quando preso pelos nazistas, ao invés de ser levado para um campo de concentração, é encarcerado num quarto de hotel, onde por quase um ano, sem livros, sem papel, sem caneta,  não tem contato com ninguém, a não ser com seus interrogadores: "Não havia nada para fazer, para ouvir, para ver, por todo o lado estava o nada, ininterruptamente, um completo vazio de espaço e tempo" (p. 34). E, então, num rasgo de ousadia, um dia ele consegue roubar um livro de xadrez, que decora, página a página, até à loucura. Ao final, não importa quem vence aquela partida, pois o que fica é a certeza de como a barbárie corrói os fundamentos da cultura. 


Entre aspas:


"(...) antes de armarem suas tropas contra o mundo, os nazistas começaram a organizar outro exército, também perigoso e treinado, em todos os países vizinhos: a legião dos desfavorecidos, dos preteridos, dos ressentidos" (pág. 30)



 Avaliação: OBRA-PRIMA

(Setembro, 2021)


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