sábado, 18 de agosto de 2018

Jane Eyre (1847)
Charlote Brontë (1816-1855) - INGLATERRA                 
Tradução: Adriana Lisboa     
Rio de Janeiro: Zahar, 2018, 535 páginas




Jane Eyre tem 30 anos quando resolve escrever sua autobiografia. O que lemos neste livro é o relato de sua trajetória, entre os 10 e os 20 anos, sendo talvez dois terços das mais de 500 páginas dedicados a um único ano passado na propriedade de Thornfield Hall, quando se apaixona pelo patrão, Edward Fairfax de Rochester. Jane conta que, logo após nascer, os pais morrem, ambos de febre tifóide, e ela vai morar com a família do tio materno, Sr. Reed, na propriedade de Gateshead Hall. Mas o tio também morre e ela passa a ser hostilizada pela viúva, Sra. Reed, e pelos primos. Por reagir com veemência à forma injusta com que é tratada, Jane é encaminhada para Lowood, uma instituição de caridade para educação de órfãs, situada a oitenta quilômetros de Gateshead Hall. Em Lowood, com "alimentação frugal, roupas simples, acomodações sem sofisticação, hábitos árduos e ativos" (p. 51), vivem oitenta moças, sob a tirania do administrador, Sr. Blocklehurst. A "natureza insalubre do local, a qualidade e a quantidade de comidas das crianças, a água salobra e fétida usada em seu preparo, as roupas e acomodações miseráveis das alunas" (pág. 107) concorre para um surto de tifo, que dizima as estudantes e chama a atenção para a situação de indigência da escola. Ali, Jane permanece por oito anos, seis como aluna, dois como professora, sem nunca ter saído do lugar e sem nunca ter recebido visitas, tendo como referências apenas a diretora, Srta. Temple, e Helen Burns, uma colega que sucumbe ao tifo. Buscando outros ares, Jane se candidata a uma vaga de educadora e muda-se para a propriedade de Thornfield Hall, um lugar com "aspecto de uma casa saída do passado - um altar à memória" (p. 131). Ali passa um ano como professora de Adèle, uma menina francesa, talvez filha natural do senhor da propriedade, Sr. Rochester: "o estreito crescente do meu destino parecia se alargar; os vazios da existência eram preenchidos. Minha saúde fisica melhorou; ganhei peso e força" (pág. 179), confessa Jane. Jane e Rochester se apaixonam perdidamente e, apesar da diferença social (ele rico, ela pobre) e de idade (quase vinte anos), resolvem se casar. No dia da cerimônia, entretanto, é revelado um impedimento - Rochester havia se casado anteriormente na Jamaica e mantém a mulher, louca, apartada num quarto secreto da mansão. Decepcionada e desiludida, embora ainda atraída por Rochester, Jane foge literalmente com a roupa do corpo. Após dois dias de viagem de diligência, chega a Whitcross e, sem conhecer ninguém, quase morre de fome. É salva à porta de uma casa situada num ermo, propriedade conhecida como Marsh End, acolhida pelos Rivers - St. John, que se  se prepara para ser missionário na Índia, e suas irmãs Diana e Mary. Jane vive um ano como professora de uma escola paroquial, e neste intervalo recebe a notícia de que herdara uma fortuna - 20 mil libras - de um tio paterno, que se mudara para a ilha da Madeira. Descobre então ser prima de St. John e suas irmãs e decide dividir o dinheiro igualmente com eles. St. John a pede em casamento, ela recusa-o por não amá-lo, e busca saber o destino de Rochester. Encontra a mansão de Thornfield Hall em ruínas, é informada de que a mulher de Rochester morreu e que ele ficou cego e teve amputada uma das mãos. Jane o procura em outra propriedade da família, Ferndean, reata a relação, casam-se e têm um filho. Apesar de certo romantismo - a redenção quase milagrosa da pobreza pela fortuna deixada por um tio desconhecido -, o livro não afunda nunca "num estado sentimental patético" (pág. 320), e também, apesar de professar uma fé inabalável na Providência Divina "mantive fiel aos princípios e à lei, e desprezei e esmaguei os insanos impulsos de um momento desmedido. Deus me guiou a fazer uma escolha acertada: agradeço à Sua providência pela orientação" (pág. 419), o que sobressai deste romance é o impressionante libelo feminista*. Jane Eyre, embora frágil física e socialmente, não aceita ser tratada como inferior. O fato de se casar no final com Rochester - que poderia ser compreendido como uma resignação às convenções -, não é possível de assim ser entendido: afinal, o marido, cego e maneta, depende dela em tudo para sobreviver, invertendo assim os papéis destinados tradicionalmente ao homem e à mulher. Com ironia e bom-humor, a narradora antecipa, à pág. 429, por meio da fala da srta. Oliver, que "tinha certeza de que minha história prévia, se conhecida, daria um ótimo romance". E deu mesmo...






* Alguns momentos do discurso feminista:

& "Ninguém sabe quantas rebeliões, para além das rebeliões políticas, fermentam nas massas de vida que as pessoas enterram. Das mulheres se espera que sejam muito calmas, de modo geral. Mas as mulheres sentem como os homens. Necessitam exercício para suas faculdades e espaço para os seus esforços, assim como seus irmãos; sofrem com uma restrição rígida demais, com uma estagnação absoluta demais, exatamente como sofreriam os homens. E é uma estreiteza de visão por parte de seus companheiros mais privilegiados dizer que elas deveriam se confinar a preparar pudim e tricotar meias, a tocar piano e bordar bolsas. É insensato condená-las ou rir delas se buscam fazer mais ou aprender mais do que os costume determinou necessário ao seu sexo." (p. 136-137)


& Quando Rochester pensando no casamento próximo diz a Jane que a cobrirá de jóias e riqueza, ela responde: "Só quero uma mente tranquila (...) e não sobrecarregada por inúmeras obrigações. Lembra-se do que falou sobre Céline Varens? Sobre os diamantes e as caxemiras que lhe deu? Não serei sua Céline Varens inglesa [Céline Varens tinha sido uma amante de Rochester, em Paris]. Continuarei sendo a educadora de Adèle; desse modo terei moradia e alimento, além de trinta libras por ano. Meu guarda-roupa virá desse dinheiro, e o senhor não me dará nada além de... (...) seu afeto". (p. 316)

"Não seria estranho (...) ser acorrentada para o resto da vida a um homem que só me considera um instrumento útil?" (p. 482)


(Agosto, 2018)





Avaliação: MUITO BOM


Entre aspas: 

"Se as pessoas fossem sempre gentis e obedientes com aqueles que são cruéis e injustos, as pessoas más sempre fariam as coisas ao seu modo; nunca teriam medo, e assim nunca haveriam de mudar, só piorar cada vez mais. Quando recebemos um golpe sem razão, devemos revidar com muita força (...), Com tanta força que a pessoa que nos agrediu aprenda a nunca mais fazer isso." (pág. 77)

"A maioria dos seres nascidos em liberdade se submete a qualquer coisa por um salário." (pág. 165)

"O remorso é o veneno da vida." (pág. 167)

"O sentimento sem julgamento é (...) uma bebida insípida, mas o julgamento sem o tempero do sentimento é um alimento demasiado amargo e penoso para a deglutição humana." (pág. 279)

"Preconceitos (...) são mais difíceis de erradicar num coração cujo solo nunca foi revirado ou fertilizado pelos estudos; eles crescem ali, firmes como ervas daninhas em meio a pedras." (pág. 398)






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