sexta-feira, 8 de dezembro de 2017


Memórias sentimentais de J. Miramar (1924)
Oswald de Andrade (1890-1954) - BRASIL  
 São Paulo: Globo, 2004, 186 páginas


O narrador deste romance trafega pela vida como se habitasse uma bolha fora do tempo e do espaço. Cronologicamente, o livro cobre o período que vai do final do século XIX ao final da década de 1920, correspondente à República Velha (no Brasil) e ao convulso momento pré e pós Guerra Mundial. No entanto, o narrador passa ao largo dos acontecimentos - embora eles estejam todos lá, desde o enriquecimento dos paulistas com a cafeicultura às viagens nababescas à Europa, desde o surgimento da indústria do cinema aos combates insanos da I Guerra Mundial, desde o aparecimento do automóvel ao nascimento do ideário fascista. Mas João Miramar, criado para usufruir do dinheiro fácil da aristocracia rural, mostra-se ao longo da narrativa um perfeito alienado - alienado das questões sócio-políticas brasileiras e internacionais, alienado da sua própria vida pessoal. Casado com uma prima riquíssima, Célia, Miramar praticamente abandona-a numa fazenda no interior de São Paulo para desfrutar das festas, das amantes, do elogio fácil. Não demonstra nenhuma afeição, nem com a morte da mulher, nem com a dissolução do seu patrimônio. João Miramar, quando já não mais "dono de casa com safras longínquas livros quadros criados e a senhora grávida" (p. 104), envereda pelo mundo das letras, escrevendo e publicando suas memórias - fragmentos de fatos e impressões,  cristalizados em magníficas frases-valises, como esta:  "E branca e nua dos pequenos seios em relevo às coxas cerradas sobre a floração fulva do sexo, permaneceu numa postura inocente de oferenda" (p. 120). Ou, como afirma o próprio memorialista, citando um primeiro leitor, este livro lembra Virgílio, "apenas um pouco mais nervoso no estilo". Um dos raros monumentos da literatura brasileira.



(Dezembro, 2017)



Avaliação: OBRA-PRIMA






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