quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Contos completos - Volume 3 (1885-1910)
Liev Tolstói (1828-1910) - RÚSSIA 
Tradução: Rubens Figueiredo 
 São Paulo: CosacNaify, 2015, 670 páginas





Coletânea de 30 contos escritos entre 1885 e 1910, ano da morte do Autor, traz pelo menos uma obra-prima da ficção curta ("Depois do baile"), mas principalmente advoga um pensamento personalíssimo, que mescla ideias do cristianismo primitivo com revolta contra o quadro de profunda injustiça social da Rússia no entresséculos e uma percepção bastante romântica do povo. O resultado disso é o tolstoísmo, uma filosofia política que pregava a resistência pela inação, algo muito próximo ao que décadas depois levaria Mahatma Gandhi a liderar a independência da Índia. Essa visão de mundo está exposta particularmente no texto "Iásnaia Poliana" (p. 618-645), que, aliás, traça um panorama que bem poderia ser o do Brasil de hoje: "Essas pessoas (...) se encontram num limiar a partir do qual basta dar um passo para entrarem numa situação desesperadora, em que um homem bom se torna capaz de tudo" (p. 626). Os contos muitas vezes saem prejudicados pelo tom moralizante das conclusões - como no caso do ótimo "O diabo" -, que marca as parábolas e alegorias (oito textos, incluindo uma apologia ao vegetarianismo, "O lobo"). Outras vezes, o que perturba é a ingenuidade que, se funciona bem quando se trata do mundo infantil ("Sem querer") ou quando não possui teor didático ("Gente pobre"), chega a ser piegas em outros momentos ("Françoise", "A força da infância", "Conversa com um passante"). Destacaria ainda os ótimos contos "Khostolmier",  "O patrão e o trabalhador", "Aliocha Gorshok", "Kornei Vassíliev", "Padre Vassili", "Para quê" e "O que vi num sonho" - além de "Morangos", uma melancólica analogia entre o intelectual liberal, de esquerda, que no conforto de sua casa imagina mudanças sociais, enquanto, à sua porta, impõe-se a realidade, cruel e terrível, sem que ele se dê conta. Interessante ainda "O cupom falsificado", que, embora bastante confuso, propõe uma estrutura narrativa moderníssima, construída em espiral.




(Novembro, 2017)



Avaliação: MUITO BOM  



Curiosidade:

O Brasil aparece à pág. 156-7: "No dia 3 de maio de 1882, um navio de três mastros chamado Nossa Senhora dos Ventos partir de Havre rumo ao mar da China. Deixou sua carga na China, recebeu uma carga nova, levou-a para Buenos Aires e, de lá, transportou mercadorias para o Brasil."



Entre aspas:

"É costume pensar que os velhos em geral são mais conservadores e os jovens, inovadores. Isso não é verdadeiro, de maneira nenhuma. Os mais conservadores em geral são os jovens. Os jovens querem viver, mas não pensam e não têm tempo de pensar em como é preciso viver e por isso elegem como modelo a vida que já existia" (pág. 90)


"Não se constroem palácios de pedra com trabalho honesto" (pág. 168)






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