Origem (1975-1982)
Thomas
Bernhard (1931-1989) - ÁUSTRIA
São Paulo:
Companhia das Letras, 2006, 501 páginas
Tradução: Sergio Tellaroli
Esta autobiografia reúne cinco narrativas
publicadas de forma independente em diferentes épocas e cobre onze anos da vida
do Autor, entre os oito e os dezenove, vividos em Salzburgo e imediações. Com
um texto compacto e reiterativo, bastante original, o narrador conta as agruras
de crescer durante a Segunda Guerra Mundial e no momento imediatamente
posterior ao fim dos conflitos. "Uma criança", lançado em 1982, cobre
um vasto período em que os adultos estavam nas frentes de batalha e em
Salzburgo restavam apenas as mulheres, os velhos e as crianças. Aqui, ficamos
conhecendo os familiares do Autor - a mãe, abandonada pelo marido; o tutor,
homem com quem ela se casa e tem outros dois filhos; a avó, simpática e
dedicada; e o avô, a quem adora, filho de burgueses, que abre mão da herança
por razões filosóficas. Este avô, socialista, escritor (chegou a ganhar um
prêmio nacional) e leitor contumaz é o grande personagem do livro. A segunda
parte, "A causa", lançada em 1975, centra-se em sua formação
escolar, sob o autoritarismo nazista, uma "máquina devastadora de espíritos e
personalidades" (p. 183), e divide-se em dois textos, intitulados Grünkrantz e Padre Franz. O Autor traça o perfil
desses dois educadores, de personalidades diferentes, mas ambas aniquiladoras. "O porão", publicado em
1976, é
o relato de sua aprendizagem, trabalhando em um armazém em
Scherzhauserfeld, bairro operário da periferia de Salzburgo. "A
respiração" cobre o período de internação, aos 18 anos, em estado bastante crítico (chega mesmo receber a extrema-unção) em um hospital em Salzburgo -
onde também estava seu avô, que acaba morrendo ali por conta de um erro médico -, e depois em Grossgmain, um antigo hotel
transformado em sanatório para doentes do pulmão. Após ter tido alta, o Autor acaba descobrindo que contraíra tuberculose, por ficar exposto à doença em Grossgmain, e é transferido para Grafenhof, onde permanece por nove meses, tema de "O frio", publicado em 1981. Sem a mãe, morta por um câncer no útero, aos 46 anos, e o avô, ele tem que, aos 19 anos, enfrentar sozinho o mundo. Traumatizado por nunca ter conhecido o pai (morto em 1943, por um tiro), por uma educação rígida e por uma longa convivência em hospitais, o Autor se propõe a descrever "fatos e acontecimentos (...) munido do propósito da verdade e da clareza" (p. 323). Por vezes, o Autor peca pelo tom assertivo - pululam frases que investem contra o leitor, quem dele discorda, afirma, "são idiotas ou charlatães" (p. 310) -; outras vezes mostra uma uma visão bastante romântica do ofício do escritor: "O artista, e sobretudo o escritor (...) deveria ser obrigado a procurar um hospital de tempos em tempos (...) ou uma cadeia ou um monastério. (...) o artista, e em particular o escritor, que não procurava (...) uma tal esfera propícia ao pensamento, vital, decisiva e necessária à sua existência, acabava se perdendo na insignificância, enredado na superficialidade" (p. 354).
(Agosto, 2017)
Avaliação: BOM
Observação:
O
Brasil aparece à página 275: "Envolvia-me sem qualquer relutância com o
arroz, a semolina, o chamado chá russo ou o café brasileiro (...)"
Entre aspas:
"Quando
estamos no ápice, não há nada que desejemos mais do que um observador a nos
admirar (...)" (pág. 15)
"(...)
estamos cercados de vulgaridade e inevitavelmente sufocamos todos os dias em
burrice." (pág. 43)
"(...)
os esportes divertem, embriagam e emburrecem as massas, acima de tudo as
ditaduras sabem bem por que, a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias,
favorecer os esportes. Quem é a favor dos esportes tem a massa a seu lado, quem
é a favor da cultura as tem contra si (...) razão pela qual todos os governos
sempre são pelos esportes e contra a cultura." (pág. 162)
"(...)
o sábado é um dia temido, ainda mais temido que o domingo, porque no sábado
todos sabem que o domingo está para chegar, e o domingo é mais terrível dos
dias." (pág. 269)
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