segunda-feira, 29 de novembro de 2021

BALANÇO FINAL

 

 

Caro(a) amigo(a),

No dia 31 de agosto de 2015 – portanto há exatos 6 anos e três meses – iniciei esse projeto, de ler ou reler aqueles livros que considero clássicos, presentes na minha biblioteca. Não esgotei nem mesmo uma ínfima parte dos títulos, mas dou por encerrada essa etapa de compartilhamento das minhas impressões de leitura.

Foram comentados 338 livros, entre romances e coletâneas de contos, de autores e autoras das mais diversas línguas da tradição do mundo ocidental, a esmagadora maioria traduzidos diretamente do idioma original.

Abaixo, ofereço uma pequena lista dos romances que considero imprescindíveis – evidentemente o(a)  leitor(a) mais atento(a) sentirá falta de alguns títulos conhecidos e antecipo que alguns deles não estão na lista porque não os considero à altura de constar ao lado dos que se seguem, enquanto outros não estão porque não tive tempo, nesse período, de lê-los ou relê-los. Talvez valha a pena passear pelo blogue para conhecê-los ou perceber as ausências.

Além disso, ofereço alguns títulos de livros de contos e, no final, uma lista de contistas cuja obra não está contida em apenas um livro, mas espraia-se por várias coletâneas. E, por fim, ofereço uma pequena lista de romances brasileiros que vale a pena conhecer.

 

Os romances

 

Norte e Sul – Elizabeth Gaskell

A história de Mildred Peirce – James M. Cain

O Golem – Gustav Meyrink

Frankenstein – Mary Shelley

Morrer sozinho em Berlim – Hans Fallada

O regresso do soldado – Rebecca West

A Praça do Diamante – Mercè Redoreda

A paz dura pouco – Chinua Achebe

Berlin Alexanderplatz – Alfred Döblin

O jardim dos Finzi-Contini – Giorgio Bassani

A modificação – Michel Butor

O Primo Basílio – Eça de Queiroz

Os noivos – Alessandro Manzoni

Ifigênia – Teresa de la Parra

O bebedor de vinho de palmeira – Amos Tutuola

A Família Golovliov – Saltykov-Shchedrin

A ponte sobre o Drna – Ivo Andric

O Pai Goriot – Honoré de Balzac

No caminho de Swann – Marcel Proust

As viagens de Gulliver – Jonathan Swift

Gente independente – Halldór Laxness

O Leopardo – Giuseppe Tomasi, Príncipe de Lampedusa

Pequeno mundo antigo – Antonio Fogazzaro

O Conde de Monte Cristo – Alexandre Dumas

O Vermelho e o Negro – Stendhal

Marcha de Radetsky – Joseph Roth

1933 foi um ano ruim – John Fante

O coração das trevas – Joseph Conrad

O morro dos ventos uivantes – Emily Brontë

Nada de novo no front – Erich Remarque

O coração é um caçador solitário – Carson McCullers

Pedro Páramo – Juan Rulfo

Bom dia para os defuntos – Manuel Scorza

A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy – Laurence Sterne

A história maravilhosa de Peter Schlemihl – Adelbert von Chamisso

Águas de primavera – Ivan Turgueniév

Os de baixo – Mariano Azuela

Tom Jones – Henry Fieldings

 

 

 

Os livros de contos

 

Cavalo pálido, pálido cavaleiro – Katherine Ann Porter

Meias de seda – Kate Chopin

A fogueira e outros contos – Jack London

Três contos – Gustave Flaubert

Nove estórias – J.D. Salinger

Sagarana – Guimarães Rosa

Manual da faxineira – Lucy Berlin

Short cuts – Raymond Carver

28 contos – John Cheever

As filhas do fogo – Gérard de Nerval

A pane – O túnel – O cão – Friedrich Dürrenmatt

Dublinenses – James Joyce

Frenesi de verão – Erskine Caldwell

Encontros com Liz – Leonid Dobytchin

Os ventos – Eudora Welty

Contos de Tenetz – Yordan Raditchkov

Só para fumantes – Júlio Ramón Ribeyro

Contos de Belkin – Aleksander Pushkin

47 contos – Isaac Bashevis Singer

O cocheiro da morte – Selma Lagerlöf

Um episódio distante – Paul Bowles

Educação sentimental – Joyce Carol Oates

Biblioteca do século XXI – Stanilaw Lem

O planalto em chamas – Juan Rulfo

 

Os contistas

 

Luigi Pirandello

Katherine Mansfield

Bret Harte

Prosper Mérimée

Jorge Luís Borges

Guy de Maupassant

Franz Kafka

Machado de Assis

Leonid Andreiev

Anton Tchekov

Rubem Braga (não é contistas, sobrepaira sobre gêneros)

 

 

Romances brasileiros

 

Triste fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto

A lua vem da Ásia – Campos de Carvalho

Fogo morto – José Lins do Rego

O quinze – Raquel de Queiroz

A falência – Julia Lopes de Almeida

O risco do bordado – Autran Dourado

Os ratos – Dyonélio Machado

São Bernardo – Graciliano Ramos

Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis

Memórias sentimentais de João Miramar – Oswald de Andrade

 

 

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O amigo perdido  

Hella Haasse (1918-2011) - HOLANDA  

Tradução: Daniel Dago          

São Paulo: Rua do Sabão, 2021, 129 páginas 



Neste romance curto, a Autora assume uma voz masculina, de um engenheiro holandês sem nome, que rememora sua infância e adolescência passada nas então chamadas Índias Holandesas, hoje Indonésia, onde seu pai administrava uma propriedade. A narrativa, muito bem urdida, vai nos apresentando aos poucos o cenário e os personagens que nele circulam. Inicialmente, em Kebon Jati, ele mora com o pai e a mãe numa casa afastada dos "nativos", onde convive com Urug, um menino nascido exatamente na mesma época, filho de Deppoh, capataz da propriedade. Ali, o narrador vive um idílio - soltos, e inseparáveis, ele e Urug se misturam à paisagem, transformando os dias em intensas brincadeiras. Tão irmanados encontram-se, que o narrador fala muito melhor o sundanês - língua local - que o holandês, para desespero dos pais. Até que um dia ocorre uma tragédia: o barco em que pescavam, a família e amigos, afunda e Deppoh, tentando salvar o narrador, acaba morrendo afogado. O pai do narrador então toma à sua responsabilidade a educação de Urug. Neste intervalo, a mãe do narrador foge para a França e o pai resolve passar uma temporada em viagem - volta casado, a nova mulher grávida. Começa então uma segunda fase na vida dos pequenos amigos: eles vão estudar em Sukabumi, cidade próxima, mas em escolas separadas: o narrador numa escola para crianças holandesas, Urug numa escola para crianças nativas e "mestiças". Aqui, na verdade, começa, sem que eles saibam, uma cisão que mostrará, ao longo do tempo, as profundas cicatrizes provocadas pela colonização, ou, em outras palavras, os malefícios da ocupação e exploração de uma civilização por outra. O narrador mora numa pensão para crianças holandesas, Urug numa pensão administrada por Lida, uma holandesa que aos poucos envolve-se com ele, tratando-o como o filho que não teve. Em Sukabumi, o narrador e Urug começam a se afastar, ainda que mantenham laços afetivos. Urug, pouco a pouco, adota hábitos ocidentais, querendo a todo custo enterrar seu passado de "nativo", do qual se envergonha. No entanto, Lida consegue colocar Urug na mesma pensão que o narrador e, então, pela primeira vez, Urug - e o narrador - percebem que vivem em mundos distantes, que um é o colonizador e o outro o colonizado. Urug conhece Abdalla e dá outra guinada em sua vida: renuncia aos hábitos ocidentais e assume roupas e costumes indonésios. Mais à frente, o narrador vai estudar engenharia na Holanda, enquanto Urug e Abdalla mudam-se para Surabaia, para fazer medicina numa escola separada. Urug torna-se militante da causa indonésia - isso antes de explodir a II Guerra Mundial. Em 1945, a Indonésia declara independência, unilateralmente, e a Holanda tenta ainda manter a ex-colônia. É nesse momento que, formado, o narrador volta àquela terra, que julga também sua, e vai se defrontar com a realidade de ser um forasteiro. O livro é um retrato vivo dos efeitos da política colonialista europeia - tanto no nível coletivo, quanto no individual. 


Avaliação:  MUITO BOM

(Novembro, 2021)


domingo, 21 de novembro de 2021

A fera na selva 

Henry James (1843- 1916) - EUA/INGLATERRA  

Tradução: Fernando Sabino           

Rio de Janeiro: Rocco, 1985, 94 páginas 



Neste conto longo, o Autor nos apresenta a John Marcher e May Barthram, que reencontram-se por acaso em Londres depois de quase dez anos. Antes, eles haviam estado juntos num passeio perto de Nápoles e voltaram com amigos comuns para Roma. Naquela ocasião, John confessara a May que tinha uma sensação "de estar sendo poupado para algo raro e estranho, talvez prodigioso e terrível, que mais cedo ou mais tarde acabaria acontecendo" (p. 24). Durante o reencontro, May lembra a John essa confissão - que ele não lembrava de ter compartilhado com ela - e pergunta se "aquilo" já havia ocorrido. John responde que não e a partir disso, dessa tão aguardada espera por algo que nem ele nem ela conseguiam identificar, os dois se aproximam e se tornam grande amigos - numa relação que é ao mesmo tempo de desejo e de repulsa. Os anos se passam e ambos sempre a aguardar - como a fera na selva - por esse momento grandioso que, ao fim e ao cabo, nunca se concretiza... 


Avaliação:  BOM

(Novembro, 2021)


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

           Os quatro encontros 

Henry James (1843-1916) - EUA/INGLATERRA  

Tradução: Aristides Barbosa          

São Paulo: Clube do Livro, 1986, 144 páginas 



Este livro reúne três contos do Autor. A narrativa que dá título ao livro, uma obra-prima digna de figurar em qualquer antologia das melhores histórias curtas de todos os tempos, é o relato de quatro encontros havidos entre o narrador e a modesta e sonhadora professora Caroline Spencer, moradora nos arredores de Boston. No primeiro encontro, o narrador ouve de Caroline seu desejo de visitar a Europa; três anos depois, ele a encontra, por acaso, em Havre, desembarcando do mesmo navio de conhecidos seus, a quem fora recepcionar. Ele conversa com Caroline e descobre que um primo dela, jovem estudante de arte em Paris, fora buscá-la. À tarde, ele tem o terceiro encontro com a professora, quando ela confessa que iria voltar imediatamente para os Estados Unidos, porque seu primo metera-se em uma enrascada e ela lhe emprestou todo o dinheiro que trazia. A enrascada do primo envolve uma confusa história de dívidas e amores com uma condessa. O narrador percebe que trata-se evidentemente de uma farsa, mas ao tentar alertá-la, não obtém sucesso. O último encontro ocorre quatro anos depois, nos arredores de Boston, quando o narrador, curioso, vai visitá-la e encontra a tal condessa morando com ela, após a morte do primo, e tratando-a como se fosse sua empregada. O segundo conto, o mais fraco, intitula-se "O Discípulo" e mostra a relação entre um jovem preceptor americano com a família de seu pupilo, também americana, vivendo na França. A família é constituída por pessoas completamente envolvidas em aparências: irresponsáveis, gastam dinheiro que não têm. O último conto, "O mentiroso", é uma ótima história. O bem-sucedido pintor Oliver Lyon reencontra uma paixão antiga, Everina Brant, e descobre que ela está casada com o simpático coronel Capadose. Aos poucos, Lyon percebe que o coronel é um impenitente mentiroso, dono de uma fértil mas doentia imaginação. Inicialmente, Lyon acredita que Everina não sabe deste lado obscuro do marido, mas, para sua decepção, ao final, compreende que ela havia sido "contaminada" pela doença do marido. As histórias todas basicamente colocam personagens frente a dilemas morais. 


 Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2021)


sábado, 13 de novembro de 2021

O mundo se despedaça (1958)

Chinua Achebe (1930-2013) - NIGÉRIA  

Tradução: Vera Queiroz da Costa e Silva          

São Paulo: Companhia das Letras, 2021, 236 páginas 


Okwonko, membro da etnia Ibo, mora em Umuófia, uma das nove aldeias que formam o clã ao qual pertence. Bem-sucedido, respeitado por seus valores guerreiros e por sua riqueza - tem três esposas e fartura de inhame e vinho de palma -, ele almeja alcançar os mais altos títulos dignitários de seu povo. Tudo corre bem, até que, por uma infelicidade, ele mata, sem querer, um dos habitantes de sua aldeia, e, como pena, é exilado para a aldeia de sua mãe, Mbanta, por sete anos. No quarto ano vivendo em Mbanta, chegam missionários ingleses interessados em obter conversões para o cristianismo. Um dos convertidos, para frustração de Okwonko, é seu filho, Nwoye. Quando, terminado o período de exílio, Okwonko regressa a Umuófia, pensando em retomar sua antiga vida, descobre que tudo está mudado. Também lá se instalaram os missionários e a relação entre os moradores e os convertidos é tensa. Okwonko reassume seu papel de uma doas lideranças locais e participa de refregas contra os cristãos. Ao final, compreendendo que seu mundo tradicional se despedaçou, se mata. O Autor já foi resenhado aqui, com a obra-prima A paz dura pouco, publicada em 23 de novembro de 2018, cujo protagonista, curiosamente, também se chama Okwonko, Obi Okwonko.


 Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2021)

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 O passageiro secreto (1909)

Joseph Conrad (1857-1924) - INGLATERRA  

Tradução: Sérgio Flaksman         

São Paulo: CosacNaify, 2015, sem numeração de páginas


Texto menor de um autor maior (que já teve resenhado neste espaço a obra-prima O coração das trevas, no dia 10 de fevereiro de 2016), é uma narrativa que mantém certo suspense, que acaba revelando-se um anticlímax. O narrador, em primeira pessoa, é um jovem comandante, que está estreando sua atividade naquele navio - portanto, sente-se inseguro frente aos seus subordinados, ao mesmo tempo que ansioso para mostrar a eles suas capacidades. Por acaso, antes ainda de partirem, enquanto estão ancorados nas costas do Golfo de Sião (atual Tailândia), ele vê um sujeito tentando alcançar o convés do navio, por meio de uma corda esquecida. Ele diz para o desconhecido subir e este lhe conta que está fugindo de um outro navio, o Sephora, porque assassinara um colega. Imediatamente, o narrador se solidariza com o desconhecido, por ver nele as suas próprias qualidades e inquietações - quase um seu outro eu -, e resolve escondê-lo em seus aposentos. O desconhecido passa então a ser o "passageiro secreto". Por conta das artimanhas para proteger o passageiro secreto, o narrador começa a agir de forma estranha, o que provoca suspeitas nos marinheiros. Até que consegue, por meio de uma perigosa manobra, deixar o desconhecido perto de uma ilha, sem que ninguém perceba sua fuga. A manobra, por extremamente arriscada, e por ter demonstrado sua perícia, conquista afinal a credibilidade dos subordinados. 



 Avaliação: BOM

(Novembro, 2021)


terça-feira, 26 de outubro de 2021

 Norte e Sul (1855)

Elizabeth Gaskell (1810-1865) - INGLATERRA  

Tradução: Frederico Pedreira        

Lisboa: Relógio D'Água, 2016, 450 páginas



Às vezes me pego pensando como alguns autores clássicos são absolutamente desconhecidos no Brasil, inclusive mesmo naqueles nichos de excelência universitária. A Autora em questão é uma delas. Neste mesmo espaço tratei de outro excelente romance seu, Mary Barton, publicado sete anos antes deste - e resenhado aqui no dia 15 de dezembro de 2018. Dificilmente o leitor encontrará escritor à sua altura no século XIX - haverá os que ombrearão com ela, mas não quem a ultrapasse. É surpreendente sua capacidade de percepção do fenômeno da Revolução Industrial e das várias implicações que ela trazia para a sociedade em geral e para os indivíduos em particular. Com sua escrita irônica, seu humor em dose certa, ela discute uma das mudanças mais importantes no rumo da história da Humanidade com um conhecimento inacreditável da vida, tanto no âmbito da aristocracia que, com sua futilidade, ia, sem perceber, cedendo lugar à burguesia, classe que ainda não compreendia seu papel, quanto nas casas miseráveis dos operários, até ontem trabalhadores rurais (neste caso, muda a função, mas não a falta de perspectiva de melhoria de vida).  A Autora, além disso, prova, mais uma vez, aquela máxima de que autores medianos se encaixam nos pressupostos de escola literária, mas autores excepcionais simplesmente ignoram regras ou limites. A visão de mundo da narradora, extremamente realista, não teme criticar as condições terríveis que viviam a classe operária, enquanto a aristocracia chafurdava na banalidade. Margaret Hale, embora filha de um pároco de aldeia, no sul da Inglaterra, vive há anos com a tia e a prima em Londres. Mas, quando a prima, Edith, se casa com o capitão Lennox, e vai morar em Corfu (Grécia), Margaret retorna à casa paterna. Lá, ela volta a ter contato com os aldeões e a vida simples de um lugar pequeno e afastado. Mas, logo seu pai é acometido de uma crise espiritual, que o faz abandonar o cargo religioso e o obriga a levar a família a morar em Milton, uma próspera cidade industrial no norte da Inglaterra. Lá, ele torna-se professor particular e o nível de vida sofre uma queda. Margaret se interessa pelos vizinhos e acaba se aproximando de uma moça tuberculosa, Bessy Higgins, e conhece então a condições miserável em que vivem os operários das fábricas de tecido. Margaret tem 18 anos e é assediada por Henry Lennox, cunhado de Edith, mas o rejeita. E também é assediada pelo jovem industrial, John Thornton, de modesta origem, mas também o rejeita. Margaret é uma mulher inteligente, culta e independente, e paga, com a solidão e a incompreensão, por isso. Não vou me deter nas várias subtramas, muitíssimo bem engendradas, mas apenas me referir ao plot central. Por um mal entendido, Thornton crê que Margaret o rejeitou por estar apaixonado por outro homem. E, embora mantenha contato com sua família, aos poucos esfria sua relação com Margaret. Enquanto isso, ele enfrenta uma greve dos trabalhadores e, convivendo com o pai de Bessy, um dos cabeças do movimento paredista, tenta empreender mudanças na gestão de sua fábrica. Em um curto intervalo morando em Milton, Margaret perde a mãe, o pai e o Sr. Bell, um grande amigo de seu pai, morador em Oxford. E também morre Bessy. Margaret então volta a viver em Londres, recebe de herança uma fortuna do Sr. Bell (e mesmo esse expediente, que poderia parecer fortuito e forçado, não o é nas mãos talentosas da Autora) e é novamente assediada por Henry Lennox, agora com a complacência de Edith e de sua tia, interessadas em ter a nova rica mais perto delas. Mas Margaret termina por se entender com John Thornton. As duas frase finais só poderiam ser perpetradas por uma Autora acima de seus pares... Os personagens são todos - sem exceção - ricamente desenhados - cada um tem suas características bem determinadas, não se confundindo uns com os outros, com destaque para a própria Margaret e o sarcástico Sr. Bell.

Aqui, um exemplo da visão de mundo certeira da Autora. No início, John Thornton pensa que "o semblante das gentes de Milton [ele está se referindo especificamente aos operários] nada mais é que o castigo natural para vontades satisfeitas de um modo desonesto num qualquer período da vida. Não considero que as pessoas libidinosas e autoindulgentes sejam merecedoras do meu ódio; simplesmente olho para elas com desprezo, perante a pobreza de caráter que mostram" (p. 92). Mais tarde, tendo tomado contato com as condições miseráveis de seus empregados, diz o mesmo Thornton: "Daí tinha nascido aquela relação que, embora não pudesse prevenir todos os futuros confrontos entre opiniões e forma de atuar, iria permitir que, chegado o momento, patrão e operário se pudessem olhar mutuamente com maior empatia e compreensão e ser mais pacientes e amáveis um com o outro" (p, 434). Alguém pergunta a Thornton se "isso evitaria a recorrência de greves" e ele responde: "De maneira nenhuma. A minha esperança mais otimista resume-se a isto: que as greves deixem de ser as fontes amargas e venenosas de ódio que até hoje têm sido. Um homem mais esperançoso pode imaginar que um contacto mais direto e cordial entre as classes irá acabar com as greves. Em todo o caso, eu não sou esse homem" (pág.  446)*...


* Mesmo esse sentimento filantropo e altruísta de John Thornton, que poderia parecer um exagero da Autora, é factual. Eu mesmo conheci um empreendimento progressista, na verdade, um laboratório social interessantíssimo, a Villa Crespi d'Adda, uma vila operária construída pela familia Crespi em torno do complexo fabril, em Capriace San Gervasio, perto de Bérgamo, na Itália, muito próximo das ideias de melhorias da vida dos operários manifestada por Thornton.



Entre aspas:


"Uma criatura pode estar embebida em mel e não conseguir levantar voo" (pág. 88)

"A lealdade e a obediência à sabedoria e à justiça são valiosas; ainda assim, mais valioso é desafiar o poder arbitrário que é usado de um modo injusto e cruel - não o fazendo por nós, mas pelos outros que estão mais indefesos" (pág. 117)



 Avaliação: OBRA-PRIMA

(Outubro, 2021)