quarta-feira, 24 de agosto de 2016


Mar de histórias - 5º volume 
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai (org)         
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, 309 páginas 





O quinto volume desta "antologia do conto mundial" demonstra que há períodos da história mais interessantes do que outros. Seus 25 textos de 17 autores, agrupados sob a denominação comum e genérica de "realismo", incluem alguns dos maiores escritores de todos os tempos em qualquer língua. O brasileiro Machado de Assis (1839-1908) comparece com quatro contos, dois deles verdadeiras obras-primas, "O espelho" e "Singular ocorrência". Também geniais os russos Lev Tolstói (1828-1910), com o magnífico "Depois do baile", e Anton Tchekov (1860-1904), com "Angústia" e "O marido", e o francês Villiers de L'Isle Adam (1838-1889) com um de seus "contos cruéis", "O suplício da esperança", uma das melhores narrativas da literatura. Além disso, podemos destacar "A loba", de Giovanni Verga (1840-1922), "O fim de Cândia", de Gabrielle D'Anunzio (1863-1938), ambos italianos; "A caçada do malhadeiro", do português  Conde de Ficalho (1837-1903) e "Irene Holm", do dinamarquês Hermann Bang (1857-1912).



Avaliação: MUITO BOM  

(Agosto, 2016)


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Uma passagem para a Índia (1924)
E.M. Forster (1879-1970) - Inglaterra     
Tradução: Cristina Cupertino 
São Paulo: Globo, 2005, 369 páginas



Narrativa sobre a tolerância, o autor coloca em movimento uma trama fascinante que inclui, em doses certas, pitadas de romance, política e exotismo. Adela Quested chega a Chandrapore, uma cidade perdida na chamada Índia Britânica, para se casar com o juiz municipal Ronny Heaslop. Acompanha-a a Sra. Moore, sua futura sogra. A Sra. Moore e Adela desejam conhecer a Índia que existe além do gueto onde vivem os ingleses. Por isso, aproximam-se do médico, Dr. Aziz, e do professor, Cyril Fielding. Dr. Aziz, muçulmano, viúvo, pai de três filhos, considerado inferior pelos colonizadores, resolve proporcionar uma experiência diferente e leva-as às famosas cavernas de Marabar, que ficam a trinta quilômetros de Chandrapore. Lá, Adela tem uma espécie de ataque de pânico ou crise histérica e acusa Dr. Aziz de tentar estuprá-la. Os muçulmanos se unem aos hinduístas e transformam o caso jurídico em um confronto político com os ingleses. Convencida do equívoco, Adela se retrata no tribunal, rompe o noivado e volta para a Inglaterra. Amargo, Dr. Aziz, tornado herói da comunidade, muda-se para um pequeno enclave hinduísta na Índia livre, onde reencontrará, dois anos depois, seu amigo Fielding, agora casado com Stella, filha da Sra. Moore. Por baixo dessa história aparente há toda uma discussão sobre desencontros culturais, étnicos e religiosos, que, em suma, conformam o impasse da Humanidade.




Avaliação: MUITO BOM  

(Agosto, 2016)


Entre aspas

"(...) a vida nunca nos dá o que queremos no momento que achamos oportuno". (p. 46)

"(...) toda beleza é triste (...)" (p. 130)

"'No espaço as coisas se tocam; no tempo as coisas se afastam' (...)". (p. 224)

"(...) talvez haja uma partícula de ressentimento em toda magnanimidade". (p. 246)

"Apenas os nossos mortos nos importam". (p. 280)

"(...) nós existimos não em nós mesmos, mas como nos vê a mente dos outros (...)". (p. 283)

"'Perdoe meus erros, atente para as minhas limitações'. Como nós sabemos, a vida sobre a terra não é fácil". (p. 301)

"(...) sem forma, como pode haver beleza?" (p. 317)


sábado, 20 de agosto de 2016

Mar de histórias - 6º volume 
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai (org)         
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, 239 páginas 





O sexto volume desta "antologia do conto mundial" compila 16 textos de 14 autores que se encontram em "caminhos cruzados" - ou seja, entre o fim do século XIX e começo do século XX, uma fase em que "aproveitando os achados do passado" abrem "perspectivas sobre o futuro" (p. 9). Aqui, nos deparamos com pelo menos três boas narrativas: "O homem que quis ser rei", do inglês Rudyard Kipling* (1865-1936) e "O hussardo melancólico da Legião Alemã", de Thomas Hardy (1840-1928), ambos ingleses, e "Vinte e seis e uma", do russo Maxim Górki (1868-1936). Como curiosidade, um caso menor do detetive Sherlock Holmes, "O amanuense de corretor", do inglês Arthur Conan Doyle (1859-1930). 


* Já analisado aqui como livro individual e título traduzido ligeiramente diferente, "O homem que queria ser rei", em uma postagem do dia 26/10/2015.



Avaliação: BOM  

(Agosto, 2016)





quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Um túmulo para Boris Davidovitch (1976)
Danilo Kis (1935-1989) - Sérvia    
Tradução: Heloísa Jahn                 
São Paulo: Companhia das Letras, 1987, 150 páginas



Livro de difícil classificação de um autor de difícil classificação. Filho de judeu húngaro e mãe montenegrina, nasceu no então Reino da Iugoslávia (depois República da Iugoslávia, numa cidade que hoje é Sérvia) e escreveu em servo-croata. Um túmulo para Boris Davidovitch é, na verdade, a reunião de sete narrativas independentes - por ele mesmo intituladas "contos" - que formam um sólido conjunto temático que pode ser lido como um romance-mosaico. Seis dos sete textos tratam do terror sob a ditadura estalinista - o clima de traições, mentiras, torturas, assassinatos -, enquanto um deles, "Cães e livros", recua a história até o século XIV, na época da Inquisição na França, para iluminar o presente, numa demonstração de que a Humanidade, em nome de uma religião ou em nome de uma ideologia, continua mais próxima da barbárie que imaginamos. O autor utiliza uma linguagem intencionalmente "neutra", quase relatorial*, para expor os "processos jurídicos" mais inacreditáveis, como o do próprio protagonista, o comissário do povo Boris Davidovitch, enredado em uma trama tão surrealista que vê frustrada até mesmo a possibilidade de morrer de forma digna**. 


* É interessante como o autor retoma o procedimento formal de Franz Kafka (1883-1924), a narrativa seca e burocrática, e mescla com a maneira falsamente ensaística de Jorge Luis Borges (1899-1996), conformando, ao fim e ao cabo, um estilo absolutamente singular.  
**Lamentável apenas o fato de a tradução não ter sido feita diretamente do original servo-croata e sim do cotejamento das versões em inglês e francês.


Avaliação: MUITO BOM  

(Agosto, 2016)


Entre aspas

"(...) uma grande quantidade de livros nunca é perigosa, enquanto um só livro sim, é perigoso; (...) a leitura de uma grande quantidade de livros conduz à sabedoria, e a leitura de um único à ignorância armada de loucura e ódio". (p. 128)

"(...) os sofrimentos provisórios da existência são preferíveis ao vazio definitivo do nada". (p. 128)


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Mar de histórias - 7º volume 
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai (org)         
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, 257 páginas 


O sétimo volume desta "antologia do conto mundial" compila 19 textos de 17 autores do "fim do século" - período restrito entre 1895 e 1900. Conforme afirmam os organizadores, esse grupo de histórias "que a pesquisa e o acaso reuniram aqui confirma a impressão duma época farta e tranquila, contente consigo mesma e despreocupada do futuro" (p. 7). Talvez por isso mesmo o resultado seja bastante fraco. Os contos, em sua maioria, não passam de anedotas, algumas delas destituídas de qualquer valor literário. Mesmo um escritor interessante, como o francês Marcel Schwob (1867-1905), comparece aqui com sua produção menos significativa. Se tivéssemos que destacar algum dos autores lembraríamos apenas os nomes dos suecos Per Hallström (1866-1960), com o naturalista "Amor", e Hjalmar Söderberg (1869-1941), com o patético "A capa de peles"; do norte-americano Mark Twain  (1835-1910), com a reflexão moral "O homem  que corrompeu Hadleyburg"; e o brasileiro Afonso Arinos (1868-1916), com o fantástico "Assombramento".



Avaliação: NÃO GOSTO  

(Agosto, 2016)




terça-feira, 16 de agosto de 2016


Duas histórias (1896 e 1897) 
Joseph Conrad (1857-1924) - Polônia    
Tradução: Julieta Cupertino                
Rio de Janeiro: Revan, 2004, 114 páginas



Este livro reúne dois contos com distintos resultados. O primeiro, "Karain: uma memória", no fundo é uma história de amor e obsessão de um chefe tribal, Karain, por uma visão de mulher e por um compromisso. Situada entre as terras que hoje pertencem à Indonésia e às Filipinas*, a narrativa se desenvolve arrastada e solene, o que acaba tirando muito de sua força dramática. Não é o caso da pequena obra-prima, "Um posto avançado do progresso", espécie de antecipação do desvario presente em O coração das trevas (1899). Kayerts, um ex-funcionário da Administração dos Telégrafos, é designado chefe de uma estação de coleta de marfim no interior da África (no então Congo Belga, provavelmente, embora não esteja explícito o cenário), tendo como subordinado o agente de segundo classe Carlier, ex-soldado do Exército. A ligação entre eles e os nativos chama-se Makola, um "negro de Serra Leoa" (p. 79), que vive por perto com a mulher e três filhos. O papel dos dois homens brancos é apenas o de manter o lugar funcionando até a passagem do barco de coleta, o que ocorre de seis em seis meses. Neste ínterim, no entanto, Kayerts e Carlier, enlouquecidos pela solidão e pela incompreensão da cultura local, deixam aflorar seus instintos mais primitivos, redundando em uma tragédia de conotações bíblicas.


* A orelha do livro induz o leitor a erro, quando afirma que os ambos os contos "são ambientados nas ilhas da Malásia" - o que não ocorre nem a um, nem a outro. "Karain: uma memória" explicita que o protagonista é um "humilde chefe de um canto insignificante de Mindanao" (parte das Filipinas), enquanto todos os indícios nos levam à certeza de que o "posto avançado do progresso" situa-se no coração da África Negra, possivelmente no ex-Congo Belga, atual República Democrática do Congo, mesmo cenário de O coração das trevas.


Avaliação: BOM 

(Agosto, 2016)






sábado, 13 de agosto de 2016

O Conde de Monte Cristo (1844-1846) 
Alexandre Dumas (1802-1870) - França   
Tradução: André Telles e Rodrigo Lacerda               
Rio de Janeiro: Zahar, 2016, 1.371 páginas


Eis um livro em tudo grandioso: suas quase 1.400 páginas arquitetam a mais terrível história de vingança da literatura universal. Alicerçado em procedimentos estéticos românticos (personagens disfarçados, tesouros fabulosos, coincidências inverossímeis), oferece uma crítica contundente à sociedade por meio de um herói mitômano, cruel, amoral e blasfêmico. Edmond Dantès é um marujo de 19 anos, honesto e trabalhador, que ama o pai e ama a catalã Mercedes, com quem prepara-se para casar. Ao voltar de uma viagem de rotina, comandando um veleiro pertencente à firma Morrel & Filho, ele porta, em segredo, uma carta de Napoleão Bonaparte, então exilado na ilha de Elba, a pedido do capitão do navio, morto em alto mar, sem fazer ideia do que isso representa. Incentivado pelo invejoso contador Danglars, o catalão Fernand, que também ama Mercedes, entrega uma denúncia anônima ao procurador substituto do rei em Marselha, De Villefort, que descobre, em breve interrogatório, o conteúdo subversivo da correspondência que tem como destinatário seu pai, em Paris. Para não correr riscos de ver a carreira maculada, ele queima a carta e manda encarcerar para sempre Dantès nas masmorras do castelo de If, como perigoso bonapartista. Lá, enterrado vivo, passa 14 anos - nove em solidão absoluta e os últimos cinco na companhia do abade Faria, que, na iminência da morte, lhe entrega o mapa de um tesouro escondido na ilha de Monte Cristo. Dantès consegue fugir da prisão e apodera-se de riquezas incomensuráveis. Quando volta a Marselha descobre que o pai morreu de fome e que seus desafetos, por uma série de peripécias, enriqueceram-se e se mudaram para Paris: Danglars, banqueiro, agora Barão de Danglars; De Villefort, alçado a procurador geral do rei; e Fernand, casado com Mercedes, instituídos em Conde e Condessa de Morcerf*. Então, cego de ódio, Dantès, o Conde de Monte Cristo, num arroubo de mitomania e blasfêmia, declara: "Tomei o lugar da Providência para recompensar os bons... que o Deus vingador me ceda o seu para punir os maus!" (p. 341). Os nove anos e meio seguintes serão dedicados a planejar, com um rigor doentio, a perdição de seus inimigos, executada em apenas seis meses. Rancoroso - "(...) nunca me preocupo com o próximo, nunca tento proteger a sociedade que não me protege, e digo mais, que geralmente só se preocupa comigo para me prejudicar (...)" p. 514 - e implacável - "(...) não sou eu que golpeia, é a Providência" p. 1.069 - cria ciladas, promove mentiras, esmaga um a um aqueles que roubaram seu passado. Articula a bancarrota de Danglars e humilha sua mulher, poupando-lhes somente a filha, Eugénie**. Instiga Heloïse, casada em segundas núpcias com De Villefort, a envenenar o ex-sogro e a ex-sogra do marido e de tentar envenenar o sogro - acaba matando seu fiel empregado - e a enteada Valentine, e, quando descoberta, envenena o filho e se mata, enlouquecendo o procurador do rei. Arma o filho bastardo de De Villerfort com a Baronesa de Danglars, Benedetto, para assassinar Caderousse, que considera também responsável pela morte de seu pai. Leva Fernand ao suicídio, reduzindo à miséria a ex-amada, Mercedes, e seu filho, Albert. Em sua missão de "extirpar o mal" (p. 1.301), em momento algum Dantès sente remorso, pois considera-se um "(...) emissário de Deus (...)" p. 1.089. Os únicos preservados da fúria são seus serviçais e os filhos do seu ex-patrão, Morrel, Julie e Maximilien, e Haydée, uma personagem importante, mas secundária, com quem afinal se casa para, talvez, viver feliz pelo resto de seus dias.




* É interesse observar que as riquezas de Danglars e Fernand são usurpadas  - o que, de certa forma, corrobora a tese do contemporâneo, Honoré de Balzac (1799-1850), que, em A estalagem vermelha (1831), escreveu: "Por detrás de toda grande fortuna há um crime".  
** Ousado e moderno, Dumas coloca em ação um casal homossexual feminino, Eugénie Danglars e a srta. d'Armilly, em fuga para a Bélgica: "Então, com uma presteza que indicava não ser a primeira vez que se disfarçava com roupas do outro sexo, Eugénie calçou suas botinas, enfiou uma calça comprida, deu um laço na gravata, abotoou até o pescoço um colete com colarinho e rematou com um redingote que desenhava sua cintura fina e redonda" (p. 1.151)


Avaliação: OBRA-PRIMA 

(Agosto, 2016)


Entre aspas

"(...) a felicidade cega ainda mais que o orgulho". (p. 54)

"Em política (...) não existem homens, mas ideias; sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo (...)". (p. 137)

"Aprender não é saber; há sabidos e sábios; é a memória que faz os primeiros, é a filosofia que faz os outros". (p. 201)

"(...) para seu pessoal, o senhor é fidalgo; para os jornalistas, senhor; para os eleitores, cidadão. São nuances que combinam bem com o governo constitucional". (p. 588)

"(...) peço permissão para mostrar minha galeria: toda ela de quadros antigos, todos quadros de mestres autenticados como tais; não gosto dos modernos.
- Tem razão, senhor, pois eles têm um grande defeito: o de ainda não terem tido tempo de se tornarem antigos". (p. 591)

"A sua história é um romance, e a sociedade, que adora os romances espremidos entre duas capas de papelão, desconfia estranhamente daqueles que vê encapados num pergaminho vivo, ainda que dourado (...)". (p. 696)

"As feridas morais têm essa particularidade: elas se escondem, mas não se fecham. Sempre dolorosas, prontas a sangrar quando tocadas, elas permanecem vivas e abertas no coração". (p. 1.040)

"(...) a vida é um eterno naufrágio de nossas esperanças (...)" (p. 1.130)

"É onde se foi feliz que se deve morrer". (p. 1.305)

"Este é um dos orgulhos da nossa funesta humanidade: cada homem julga-se mais infeliz que outro infeliz que chora e geme ao seu lado". (p. 1.319)

"(...) não existe nem felicidade nem infelicidade neste mundo, mas a comparação de uma com a outra". (p. 1.265)

"Esperar é ter esperança" (p. 1.366)