sexta-feira, 20 de maio de 2016

O Aleph (1957) 
Jorge Luiz Borges (1899-1986) - Argentina   
Tradução: Flávio José Cardozo            
Porto Alegre: Globo,1986, 146 páginas 



Composto por 18 contos, este livro reúne alguns dos temas e símbolos mais significativos do autor, em uma espécie de síntese de suas obsessões. Aqui encontramos espelhos (o duplo), tigres, sombras, labirintos. Aqui nos deparamos com o realismo impuro (porque sempre contaminado por um expressionismo singular) de narrativas passadas nos campos ("O morto", "Biografia de Tadeu Isidoro Cruz", "A outra morte", "A intrusa") ou na cidade ("Emma Zunz", "A espera"), sempre tendo como pano de fundo a violência, a vingança. Aqui esbarramos com o gosto pelo orientalismo das mil e uma noites ("Os dois reis e os dois labirintos"), com o falso ensaísmo ("Os teólogos", "História do guerreiro e da cativa", "Deutsches Requiem", "A busca de Averróis"), com narrativas fantásticas ("O imortal"*, "A casa de Asterion", "A escrita de Deus", "Abenjacan, o Bokari, morto em seu labirinto", "O homem no umbral"). Aqui descobrimos o irrealismo impuro, porque sempre ancorado em fatos cotidianos banais, de "O Zahir" e "O Aleph". Na verdade, ao fim e ao cabo, todos esses temas e símbolos estão de tal forma entrelaçados que não há como separá-los. E é isso que faz de Borges um dos mais importantes escritores da história da literatura ocidental.


* É curiosa a relação existente entre esse conto e o romance "A máquina do tempo", do escritor inglês H.G. Wells (1866-1946).
     

Avaliação: OBRA-PRIMA

(Maio, 2016)


Entre aspas

"(...) prolongar a vida de um homem é prolongar sua agonia e multiplicar o número de suas mortes." (p. 3)

"Ser imortal é insignificante: com exceção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se mortal." (p. 11)

"Quando o fim se aproxima, já não restam imagens da lembrança, só restam palavras." (p. 16)

"Qualquer destino, por longo e complicado que seja, consta na realidade de um só momento: o momento em que o homem sabe para sempre quem é." (p. 43)

"(...) não existe fato, por humilde que seja, que não envolva a história universal e sua infinita concatenação de efeitos e causas." (p. 89)


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Marcha de Radetzky (1932)
Joseph Roth (1894-1939) - Ucrânia 
Tradução: Luís S. Krausz
São Paulo: Mundaréu, 2014, 423 páginas


Impressionante narrativa sobre a derrocada do Império Austro-Húngaro por meio da história do infeliz tenente Carl Joseph von Trotta. Descendente de um pobre camponês, o bisavô, sargento reformado, tinha sido vigia dos jardins de um castelo na Áustria; o avô, tenente do Exército, salvou a vida do kaiser Francisco José na Batalha de Solferino (1859), e, pelo feito, recebeu a patente de capitão e um título de nobreza, barão de Sipolje, nome da aldeia eslovena de onde provinha a família; o pai tornara-se comissário distrital na Morávia (atual República Tcheca). Aos sete anos, Carl Joseph estava em um colégio interno e aos dez já se encontrava engajado na academia de cadetes. O romance, na verdade uma costura de episódios destacados da curta vida do tenente, desenrola-se entre fins do século XIX e o começo da Primeira Guerra Mundial. Um painel da decadência não só de uma sociedade que emulava o Sacro Império Romano-Germânico, mas principalmente de uma mentalidade baseada em princípios que não resistiam aos novos tempos. Ou, como prediz um personagem, o conde de origem polonesa Chojnicki: "Ninguém mais acredita em Deus! A nova religião é o nacionalismo!" (p. 207). O esfacelamento do Império Austro-Húngaro resultou em fronteiras indefinidas e em ódios que explodiriam na Segunda Guerra Mundial. Entre as p. 356 e 381, um painel magistral dos rancores entre as várias etnias.
  
* Curiosidade: uma referência ao Brasil à p. 167. Os contrabandistas das fronteiras leste do Império Austro-Húngaro traficavam de tudo, inclusive pessoas vivas. "Eles despachavam desertores do exército russo para os Estados Unidos e jovens filhas de camponeses para o Brasil e para a Argentina".

Avaliação: OBRA-PRIMA  

(Maio, 2016)


Entre aspas

"Tudo que crescia precisava de muito tempo para crescer, e tudo que desaparecia precisava de muito tempo para ser esquecido" (p. 146)


"(...) os livros ruins contam muitas verdades do mundo real, só que as contam mal." (p. 333)





terça-feira, 10 de maio de 2016

Esaú e Jacó  (1904) 
Machado de Assis (1839-1908) - Brasil         
Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/MEC, 1975, 284 páginas 



O mais explicitamente político dos romances de Machado de Assis, consegue ser realista e alegórico ao mesmo tempo. É realista quando elege por tema a queda do Império e a instalação da República ("havia espanto, mas não havia propriamente susto", p. 190) - é alegórico quando desenha os caracteres dos irmãos gêmeos Pedro e Paulo, que desde o útero se batiam por ideias antagônicas. Paulo, que estuda direito em São Paulo, berço da oposição à decadente aristocracia, representa o espírito progressista; Pedro (tal como os dois imperadores) estuda medicina no Rio de Janeiro e encarna o conservadorismo. E ambos ambicionam a mesma Flora (o Brasil, talvez...), moça "inexplicável", como a define o Conselheiro Aires (p. 121), que aqui aparece pela primeira vez e ganhará um romance inteiro em 1908, Memorial de Aires, o derradeiro do autor (anunciado à p. 90). A relação dos irmãos com Flora não chega a compor uma história de amor - entre escolher um ou outro, ela definha e morre. Talvez aqui resida toda a ironia pessimista de Machado de Assis: lutam renhidamente monarquistas e republicados (conservadores e progressistas; e, agora, tucanos e petistas) pelo poder, apenas pelo poder. Há uma fábula maravilhosa incrustada no livro, a da troca da tabuleta da confeitaria do Custódio (antiga Confeitaria do Império), abarcando os capítulos XLIX, LXII e LXIII, que evidencia a índole interesseira, mesquinha e egoísta do brasileiro. 


Avaliação: MUITO BOM 
(Maio, 2016)


Entre aspas


"Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia." (p. 89)

"Há (...) virtudes feitas de acanho e timidez, e nem por isso menos lucrativas, moralmente falando." (p. 151)

    
"Não é a ocasião que faz o ladrão (...), o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: 'A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito." (p. 209)




quarta-feira, 4 de maio de 2016

Nove estórias (1953) 
J. D. Salinger (1919-2010) - Estados Unidos          
Tradução: Jório Dauster / Álvaro Alencar              
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1969,182 páginas 



Esta coletânea reúne os primeiros escritos de Salinger, que ficaria mais conhecido como o autor de O apanhador no campo de centeio (1951), publicados esparsamente entre 1948 e 1953. Nos contos intitulados "Um dia ideal para os peixes-banana", "Tio Wiggily em Connecticut" e "Lá embaixo, no bote" surgem algumas personagens da família Glass - Seymour, Walt e Boo Boo - que mais tarde reaparecerão em Franny e Zooey (1961), Para cima com a viga, rapaziada / Seymour - uma introdução (1963). Todas as nove histórias são obras-primas da narrativa curta - mas, ainda assim, podemos destacar, entre elas, a já citada "Um dia ideal para os peixes-banana", trágico fim de um jovem veterano da Segunda Guerra Mundial, e a tristíssima, e certamente autobiográfica, "Para Esmé, com amor e sordidez". Tendo como cenário privilegiado Nova York, e como personagens nova-iorquinos de classe média, o autor consegue transformar aparentes banalidades em momentos epifânicos - como em "Tio Wiggily em Connecticut", "Lá embaixo, no  bote", "Pouco antes da guerra com os esquimós" e "O Gargalhada". Além disso, mostra total domínio do drama ("Lindos lábios e verdes meus olhos") e do humor (o hilário "A fase azul de Daumier-Smith"), e é genial mesmo quando somos confrontados com o estranhíssimo "Teddy", um garoto-prodígio, místico e ultrassensível.      








Avaliação: OBRA-PRIMA  

(Maio, 2016)


Entre aspas

"Esta é uma verdade que só se torna óbvia tarde demais, mas a principal diferença entre a felicidade e a alegria está em que a  felicidade é sólida e a alegria é líquida." (p. 145)

"Os poetas sempre encaram o tempo de maneira pessoal. Estão sempre pondo emoções em coisas que não têm emoções." (p. 170)


domingo, 1 de maio de 2016

Mar de histórias - 8º volume 
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai (org)         
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, 286 páginas 


Esta "antologia do conto mundial", organizada em dez volumes, pretende abarcar a história da literatura (incluindo a oriental) desde seus primórdios até meados do século XX. Este volume oitavo compreende o breve período situado entre a virada do século XIX e o fatídico ano de 1914, quando estoura a Primeira Guerra Mundial. Aqui, o leitor encontra 22 autores representando 17 países (o Brasil comparece com Coelho Neto (1864-1934) e Simões Lopes Neto (1865-1916)), que, de certa maneira, caracterizam aquele período de transição. Se a seleção cumpre o importante papel de nos apresentar autores e literaturas desconhecidas (como, por exemplo, a alemã Ricarda Huch (1864-1947) e a o conto esloveno, respectivamente), deixa a desejar quanto à qualidade dos textos. Não nos deparamos com nenhuma obra-prima entre as narrativas bastante irregulares selecionadas. Podemos destacar, com resultado mediano, "O tenente Gustl", do austríaco Arthur Schnitzler (1862-1931), "Putois", do francês Anatole France (1844-1924), "Os pombos", de Coelho Neto, "O grande slam", do russo Leonid Andreiev (1871-1919), "A 'dessétitsa", do esloveno Ivan Cánkar (1878-1918). E só.   

Avaliação: BOM 

(Maio, 2016)