sábado, 26 de março de 2016

28 Contos (1946-1978) 
John Cheever (1912-1982) - Estados Unidos  
Tradução: Jorio Dauster, Daniel Galera            
São Paulo: Cia das Letras,2010, 359 páginas 



Os 28 contos que formam essa coletânea reúnem uma ótima amostra desse excelente escritor. Representando basicamente o universo de classe média dos subúrbios de Nova York, o autor desvenda, com profunda compreensão, as agruras das famílias formadas por jovens e empreendedores casais correndo atrás de dinheiro e vivendo de aparências. Por trás das paredes das casas confortáveis, do rosto das crianças saudáveis, dos olhares da vizinhança acolhedora, esconde-se a pressão dos que perseguem a realização do sonho norte-americano. Infelizes, solitários, comuns - para não dizer vulgares -, os personagens afundam em vidas vazias regadas a álcool e compromissos sociais. Em geral, os escritores vão perdendo o ímpeto ao longo de sua trajetória - mas não no caso de Cheever. A excepcional qualidade alcançada, por exemplo, com as narrativas do início da carreira, como "O enorme rádio", de 1947, ou "Adeus, meu irmão", de 1951, continuará a ser encontrada em "O nadador", de 1964, ou "O mundo as maçãs", de 1973. Essa é a tônica de todo o livro, por isso, difícil destacar um ou outro título, todos os textos são realmente muito bons.



Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2016)


segunda-feira, 7 de março de 2016

Contos (1868-1871) 
Bret Harte (1836-1902) - Estados Unidos  
Tradução: Marques Rebelo, Yolanda Toledo, José Paulo Paes           
São Paulo: Cultrix,1986, 201 páginas 



O far-west produziu pelo menos um escritor notável: o contista Bret Harte. Esta seleção reúne 13 narrativas que têm em comum, além de personagens que reaparecem em várias das histórias, a região de Sacramento, na Califórnia, à época da Corrida do Ouro (década de 1850). Mineiros, pistoleiros, jogadores de carta, prostitutas, gente em busca de fortuna fácil, convivem em alojamentos provisórios, de tudo carentes. Há pelo menos três pepitas que merecem estar em qualquer antologia do gênero: "A fortuna do Campo Trovejante", "Os exilados de Poker Flat" e "O idílio de Red Gulch". Nelas, o autor exercita o que tem de melhor, o olhar generoso e solidário para com os deserdados. Harte descobre grandes almas por sob a roupa fétida, os cabelos desgrenhados, as maneiras primitivas de homens e mulheres brutalizados. O livro padece de certa irregularidade, comum em coletâneas deste tipo. Ao lado de obras-primas, como as anteriormente mencionadas, e bons contos ("O sócio do Tennessee", "Brown de Calaveras"), nos deparamos com anedotas ("O idílio de Sandy Bar", "Uma ingênua das serras", "O poder da imprensa", "Um cão amarelo"), e textos que margeiam o sentimentalismo ("De como Papai Noel veio a Simpson's bar", "Miggles""O nível da cheia", "Melissa").


Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2016)


sexta-feira, 4 de março de 2016

Se um viajante numa noite de inverno (1979) 
Italo Calvino (1923-1985) - Itália  
Tradução: Margarida Salomão          
São Paulo: Círculo do Livro, s/d, 246 páginas 



O resumo do "enredo" está claramente exposto entre as páginas 185-186: "Ocorreu-me a ideia de escrever um romance feito totalmente de inícios de romances. O protagonista poderia ser um Leitor que se vê continuamente interrompido. O Leitor adquire um novo romance A do autor Z. Mas o exemplar é defeituoso, contém exclusivamente o início... o Leitor retorna à livraria para trocar seu exemplar..." Poderíamos enquadrar esse livro dentro da ficção policial. O romance está morto e há vários suspeitos pelo seu assassinato: a crítica, o mercado editorial, o leitor, o próprio autor. Mas são infinitas as possibilidades de abarcá-lo. Romance de aventura, de viagem, de amor, tudo cabe em suas páginas e não as esgotam. E também não o definem, pois trata-se essencialmente de uma reflexão sobre os impasses da literatura, sobre o prazer de narrar e sobre a fruição da leitura. A sua estrutura labiríntica e o tom onírico deve muito às "Mil e uma noites". As falsificações e o clima especular são tomados de empréstimo do argentino Jorge Luis Borges (1899-1996). Mas há ali também algo de "Três tristes tigres"*, do cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005). Intertextual, irônico e autocentrado, Se um viajante numa noite de inverno é um romance que agrada mais ao sistema literário (escritores e críticos) que aos leitores comuns.



* São Paulo: Global, 1980. Tradução de Stella Leonardos.

  


Avaliação: BOM

(Março, 2016)


Entre aspas

"(...) cada momento de minha vida traz consigo um acúmulo de fatos novos que trazem consigo consequências, de modo que, quanto mais procurar retornar ao ponto de partida, ao ponto zero, mais me distancio (...)"  (p. 19)

"O romance que tenho vontade de ler neste momento (...) é aquele que tirasse toda a sua força motriz da vontade única de contar, de acumular história sobre história, sem pretender impor uma visão do mundo; um romance que simplesmente fizesse você assistir a seu próprio crescimento, como uma planta, com seu intrincado de ramos e de folhas..." (p. 88)

"É na página, e não antes, que a palavra - mesmo a palavra do arrebatamento profético - torna-se definitiva, transformando-se em escrita. É nos limites do ato da escrita que a imensidade do não-escrito torna-se legível, quero dizer, através das incertezas da ortografia, dos equívocos, dos lapsos, dos desvios incontroláveis da palavra e da pena." (p. 172-173)

"Acredita que toda leitura deva ter um princípio e um fim? Antigamente, a narrativa só tinha duas maneiras de terminar: uma vez passadas suas provações, o herói e a heroína se casavam ou morriam. O sentido último a que remetem todas as narrativas comporta duas faces: o que há de continuidade na vida, o que há de inevitável na morte". (p. 242)

  

quarta-feira, 2 de março de 2016

O fogo (1916
Henri Barbusse (1873-1935) - França
Tradução: Livia Bueloni Gonçalves       
São Paulo: Mundaréu, 2015, 404 páginas


Curioso, este romance. O autor já era um conhecido escritor quando se inscreveu como voluntário para lutar na I Guerra Mundial. Participou das primeiras batalhas, as mais sangrentas, ao longo de 1914, e no ano seguinte, convalescendo de ferimentos, concebeu O fogo, concluído em dezembro de 1915 e publicado em 1916, quando a guerra permanecia estacionada nas trincheiras. A impressão é de que o alistamento ocorreu exclusivamente porque ele intuiu naquele cenário a oportunidade ideal para a construção de um épico. Aliás, no capítulo 13, o narrador conversa com um personagem sobre o livro que vai escrevendo, entre rajadas de metralhadoras e explosões de bombas. No entanto, apesar do caráter documental - ou talvez por isso mesmo - o resultado deixa a desejar. Preocupado em pintar um retrato detalhista de pessoas, coisas e lugares, acaba borrando as singularidades: o romance é "verossímil", mas não "real"... Composto por 24 capítulos, em que cada um tenta ser o relato completo de um dado episódio, evoca tantas minúcias que perdemos a noção do conjunto. 


  
Avaliação: BOM

(Março, 2016)


Entre aspas

"Dois exércitos em luta são um grande exército que se suicida". (p. 33)