Pedro Páramo (1955) /
O planalto em chamas (1953)
Juan Rulfo (1917-1986) - México
Tradução: Eliane Zagury
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, 212 páginas
Esse volume reúne o romance "Pedro Páramo" e a coletânea de contos "O planalto em chamas" - praticamente a obra completa de Juan Rulfo - que serão tratados em separado.
Pedro Páramo
Um dos melhores romances de todos os tempos, esta narrativa breve traça um esboço de Pedro Páramo, latifundiário sem escrúpulos, por quem não nutrimos nenhuma simpatia, mas que, no entanto, pela força de composição do autor, não chegamos a odiar*. O relato acompanha inicialmente a chegada de Juan Preciado a um povoado "cheio de ecos" (p. 38) chamado Comala, perdido em algum ponto do México. Na busca daquele que acredita ser seu pai, Juan esbarra em personagens que não sabemos se vivos ou mortos, fantasmas consumidos por culpas, remorsos, dores. Por meio de depoimentos fragmentários e contraditórios conhecemos a história de Pedro Páramo, que movido pelo ódio e pela ganância, vai se acostumando "a ver morrer algum pedaço seu a cada dia" (p. 102), sendo sua principal perda a mulher amada, Susana, por quem cultiva verdadeira obsessão e que, isolada no casarão, acaba enlouquecendo. Ao fim, cansado, Páramo é assassinado por um de seus muitos supostos filhos e tudo à volta desaparece com ele. É impressionante como esse mundo de "gente que não existe" (p. 57) perfaz um retrato político da América Latina, com seus impasses e falta de perspectivas, ao mesmo tempo em que em desenha o perfil psicológico de um povo enredado na miséria e na opressão.
* Algo semelhante ocorre com Paulo Honório, protagonista de outra obra-prima, o romance São Bernardo, do brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953), publicado dezenove anos antes, em 1934.
Avaliação: OBRA-PRIMA
(Outubro, 2015)
O planalto em chamas
"O planalto em chamas" reúne 16 contos, cuja temática concentra-se na exposição da violência extrema na qual está mergulhada a população miserável do México - o livro descreve o período conturbado das revoluções políticas do começo do século XX, mas a referência é o momento atual do pais, assolado pela corrupção e pela luta entre cartéis de drogas, o que, desgraçadamente, evidencia que na América Latina o tempo permanece cristalizado. Disputas por terras, desavenças políticas (nas quais pouco importa a ideologia), opressão, mesquinharia, charlatanismo religioso, tudo isso Juan Rulfo aborda em textos que muitas vezes não ultrapassam três, quatro páginas, mas que, iluminados por tal força humanista, reverberam para sempre nos leitores, Embora todos os contos sejam ótimos, destaco o pungente "É porque somos muito pobres", o surpreendente "De madrugada", o trágico "O planalto em chamas" e o melhor de todos, o terrível "A herança de Matilde Arcángel". Um detalhe: o título do livro em português, embora correto, perdeu a aliteração do original,"El llano en llamas", que Eric Nepomuceno, em outra edição, traduziu magnificamente como "Chão em chamas"*.
* Pedro Páramo / Chão em chamas. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Avaliação: OBRA-PRIMA
(Outubro, 2015)
Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo. Minha mãe que disse. E eu prometi que viria vê-lo quando ela morresse. Apertei-lhe as mãos em sinal de que o faria: ela estava para morrer e eu em situação de prometer tudo. "Não deixe de ir visitá-lo - recomendou-me. Chama-se assim e desse outro modo. Estou certa de que terá prazer em conhecer você". Então, não pude fazer nada a não ser dizer que o faria, e de tanto dizer continuei dizendo, mesmo depois que minhas mãos tiveram trabalho para se safar das suas mãos mortas.